Eu me sinto amado em Minas quando chego a um estabelecimento depois do seu fechamento, 15 minutos de horário vencido, com a cozinha já desmontada, e um funcionário me permite entrar e tenta encontrar uma solução.
Há uma compaixão pelo meu deslocamento. Há um cuidado fora dos prazos. Há um feitiço do socorro gastronômico que remonta à época dos avós, das misturas deliciosas na panela de ferro com as sobras da geladeira.
Ele olha o cardápio como se fosse inédito e busca o que pode ser feito. Mesmo que ele tenha que cozinhar. Oferece um prato que seja prático e que não exija tantos recursos.
É um heroísmo no interior da solidão noturna. Uma empatia que supera a preguiça e o comodismo.
O mais fácil seria me mandar embora e me avisar para retornar no expediente normal. Eu quebro a expectativa da equipe remanescente de ir para casa e se encontrar com a família.
Deveria gerar ódio, antipatia, estragando os planos da mochila nas costas e do toque de recolher já avisado por WhatsApp aos parentes.
Só que não recebo nenhuma indisposição, pelo contrário.
O que aprendi no Estado é essa cordialidade da exceção, blindada, inadiável. Não se deixa um cliente com fome. Não se bate a porta na cara de um cliente. Existem emoções que a razão não alcança. Vira-se a tabuleta de novo, e recomeça a batalha pela minha alegria.
Pode ser boteco, bar, restaurante, a dinâmica é a mesma: improvisar. O afeto toma conta do balcão. O importante é dar o carinho da preocupação. Perceber a minha necessidade dentro do possível e amparar o apetite da madrugada.
Eu imagino, em minha fantasia de proteção, todo funcionário vestido de plástico-bolha, transportando os meus desejos com a delicadeza de cristal.
Desenrola-se uma cena de intensa cumplicidade, que me faz suspirar de esperança no mundo. Não teria condições de encontrar um lugar aberto – seria um dominó de azares dali por diante.
A boia é jogada para mim, náufrago dos talheres, a toalha limpa é estendida.
Parte do ambiente fica no escuro e parte iluminada, eu tenho a sensação de que aluguei o espaço para mim. O atraso migra para uma reserva especial. O que era para ser um desconforto transforma-se numa homenagem com o luxo da penumbra. Como se tivesse a exclusividade do atendimento, um olhar customizado, pessoal, íntimo.
A carência se despede do coração. Não sou mais o último cliente do dia, sou o primeiro do dia seguinte.
Não sou mais um qualquer, não sou mais um número de mesa, não sou mais uma fatura na caderneta de couro, sou admirado pela minha imperfeição, por estar ali com barriga vazia, por ter perdido a noção do tempo, tão humano quanto a brigada de garçons conversando sobre os resultados do futebol.
Ainda vou rir de alguma piada, ainda vou comer com as mãos, ainda vou raspar a porcelana, ainda vou secar o molho com o pão, ainda me verei ganhando novos amigos da casualidade.
Dormirei com a alma servida.