Organizava a despensa e localizei cinco produtos limpa-vidros. Havia um estoque para o ano inteiro. Não me lembrava de ter adquirido nenhum deles.
A abundância era resultado da lista de compras de minha esposa mineira. Ela que acumulava frascos a rodo. Desconhecia o seu vício, a sua obsessão, a sua mania compulsiva.
Que medo extravagante da extinção de um produto?
Mas tive um estalo de mineirice observando o nosso ritmo doméstico a partir da minha descoberta.
A primeira preocupação da minha mulher com a faxina é mesmo as janelas, não com o piso de madeira ou com a manutenção da mobília.
Ela não representava uma exceção, mas integrava uma estatística dominante. No Estado, o limpa-vidros deve ser o que mais sai no supermercado, acima do lustra-móveis e tanto quanto o detergente.
Mineiro tem fascinação por lavar as janelas, por desembaçar os óculos da residência e curar a miopia das ruas.
A limpeza somente estará concluída com a nitidez das vidraças. Ainda que o espaço esteja cheiroso, arrumado, varrido, mas com a poeira do lado de fora a sensação é que nada foi feito.
Há um pano específico para a operação, uma flanela que jamais terá desvio de função, nuca será misturada aleatoriamente em baldes. Uma relíquia destinada a única missão de remover manchas das chuvas e as impressões digitais da família. Já fica em uma gaveta específica, para ninguém se confundir.
Janela para o mineiro é o ponto alto da decoração, o equivalente a um vitral de igreja.
A luz precisa entrar sem filtros, sem coador, banhando de uniforme claridade o sofá, as poltronas e os tapetes.
Percebe-se a sua predileção pela adoção indiscriminada nas construções de janelões e sacadas nos apartamentos. Quanto mais vidro, mais mineiro.
O vidro é o espelho da rua, o brilho do mundo, demonstração de como é importante ser visto, bem visto pelos outros.
A casa enxergada de fora torna-se tão importante quanto enxergá-la por dentro.
O hábito pode decorrer do passado interiorano, resquício cultural de um tempo em que se combatia a ameaça diária da fuligem dos minérios e das montanhas escavadas, das nuvens da terra vermelha das estradas e da fumaça dos trens. Naquela época, o vento arremessava camadas de blush nas molduras e esquadrias, maquiando à revelia os antigos casebres.
O asseio diáfano traz status social, agrega valor à convivência. Talvez nenhuma visita note, mas todo morador faz questão de remover a superfície cansada dos dias e renovar a transparência, a ponto de não determinar se a janela está aberta ou não, tamanha a perfeição da tarefa.
Qualquer diarista conhece o truque. Ao terminar o serviço, arreganha os véus dos trilhos para mostrar os reflexos cristalinos de seu trabalho de circular as mãos longamente com borrifador e jornal. É seu cartão de visita. Chama atenção prendendo as cortinas em um laço de tranças.
Tanto que é uma grosseria quando uma visita decide destrancar, por sua conta e juízo, alguma aldrava para arejar o ambiente. Não se mexe nela sem autorização. É como virar a chave na fechadura e abrir a porta para sair na casa alheia, quase uma maldição para não voltar.