Meus pais tinham uma dezena de irmãos. Assim como os pais de minha esposa mineira. Outros períodos históricos, outros estilos de criação: filhos eram gerados para garantir a mão-de-obra no trabalho ou continuar o negócio. Nasciam já empregados, para colaborar na lavoura ou no comércio. Crianças pegavam na enxada ou atendiam atrás do balcão.
Isso quando nasciam. Não havia solenidade com a morte. Os lares contavam sempre com um velório infantil.
Ou morria-se no ventre ou dos perigos da rua. Ou por alguma doença ou por uma fatalidade.
Morria-se de pneumonia, de descuido.
Nascimento não oficializava filho, era preciso ainda sobreviver.
Mães davam à luz de cinco a quinze crianças, uma gravidez atrás da outra. Dificilmente todas chegavam à fase adulta. Raramente alcançavam a velhice - espécie de loteria da resiliência.
O que parece uma desproporção para a atualidade, com média de 1,9 filho por família.
Junto às criptas fúnebres dos avós, nos cemitérios do interior, localizava-se a cruz de um anjinho. Com a data de nascimento próxima da data de morte, numa matemática macabra.
Bebês quase usavam o mesmo grito de nascimento para a sua despedida, tornando-se verdadeiros relâmpagos da existência.
Qualquer casa apresentava em seu histórico uma criança morta, um fantasma mirim, alguém para lamentar o fim precoce e rezar rolando as pedras do terço pela mão.
Convivia-se naturalmente com as ausências. Os nomes que não eram aproveitados terminavam repassados para os próximos rebentos. O pintor holandês Vincent Van Gogh, por exemplo, herdou a nominação do natimorto que o antecedeu - ou seja, no fundo do terreno do quintal observava uma lápide com o seu batismo.
Edir Macedo, o líder da Igreja Universal, é um dos sete filhos que restaram de 33 gestações de sua mãe. Trinta e três gestações! Eugênia sofreu 16 abortos e perdeu 10 filhos prematuros. Suportou a perda de 26 rebentos. Enterrou 26 rebentos em seu coração. Não podia nem se dar ao luxo de se entristecer porque seus meninos e meninas vivos puxavam a sua saia.
Não era fácil atingir a maioridade. Filhos se viravam, indecisos entre o sustento e o estudo, ou fazendo ambos ou não podendo comparecer na escola. Não existia infância para brincar, logo emancipados a suportar a carga e responsabilidades da maioridade, sujeitos a acidentes, sem nenhuma proteção.
Nossos pais são da cultura em que morrer não rendia cerimônia. Lamentava-se por uma semana, e resolvia-se o luto observando as estrelas e contando histórias perto do fogão a lenha.
Os berços de madeira entrelaçavam suas tábuas com as argolas dos caixões.
Uma das irmãs de meu pai faleceu aos 12 anos, de tuberculose. Ele lembra que dividia a escova de dente com Elisabete e aceitou o fato como uma provação.
As famílias sofriam uma baixa, uma perda, invariavelmente. Uma cama lembraria da história, um lugar na mesa reforçaria o pesar, brinquedos seriam repassados adiante como talismãs de um ente querido.
Não se separava morrer e não morrer. Não representavam dimensões opostas, conceitos antagônicos. O sobrenatural não assustava, tampouco ameaçava os hábitos. Não se batia três vezes na madeira ou não se temia as lâmpadas falhando e as janelas batendo. Não se culpava Deus por aqueles que se iam cedo, mas se agradecia a Deus por aqueles que permaneciam.
Época em que se acreditava que um dia todos se encontrariam novamente no céu – só era uma questão de tempo.