Pensei que só a minha esposa fazia. Daí fui descobrir que toda a família dela também fazia. Em seguida, notei que era um hábito coletivo.
Mineiro no café da manhã, dança. Valsando do fogão à geladeira. Beliscando o que deseja. Vai girando de um lado para o outro, montando um bufê a quilo da própria casa. Abre as gavetas e as prateleiras, busca frutas, doura ovo mexido na manteiga, esquenta o pão, encarnando o espírito do sapateado de Fred Astaire e Ginger Rogers logo cedo.
Tem uma estação de rádio tocando canção no sangue. Eu não escuto, assisto a coreografias. Como se ele estivesse de headphone e não alcançasse o mesmo ritmo.
Ao se servir, já vai comendo de pé. Metade do desjejum é de pé. Apoiado na pia da cozinha ou mexendo o prato no ar.
Ele se aquieta para finalizar a refeição.
Antes de se sentar à mesa, comeu metade do que queria pelo caminho.
Não tem a solenidade da toalha e dos guardanapos quando não recebe visitas. Entre os seus, aceita a bagunça como parte de seu bom humor. Queima etapas, saboreia o café no exato instante em que o prepara.
Improvisa, fala alto, estende o jornal na mesa, dá uma espiada nas manchetes e segue o baile, não se prendendo a uma única tarefa.
Quem é de outro Estado, como eu, pode supor que a pessoa está muito atrasada para ir ao trabalho e vem mastigando correndo para não perder minutos preciosos. Mas não, é uma perpétua rotina.
Mineiro não acorda calmamente, desperta voando.
Rege uma alegria de passarinho na cozinha. O sol entra pelas frestas da janela e ilumina o alvoroço das asas. Há um gosto imperturbável para ciscar e experimentar durante o processo de escolha do que se pretende realmente comer. Degusta-se primeiro para depois se demorar.
Todo adulto volta a ser criança mexendo nas panelas da mãe. Não duvido que a mania matutina não seja derivada de uma nostalgia da infância, pela primazia de provar a comidinha quente saindo do ferro, do prazer da colher molhada anterior a todos os irmãos.
Talvez seja uma reprodução caseira do ritual de passagem nos botecos, do jiló com fígado do Mercado Central. Ou mesmo do feijão tropeiro nos estádios. Não há nenhuma vergonha de lanchar encostado no balcão ou no meio-fio, mesmo não tendo cadeira alguma para esticar as pernas.
O mineiro acredita na lealdade do sabor, não deixar a tentação esfriar, que a comida sente direto na boca, e o resto se ajeite como der. Até porque ninguém aguenta não morder uma coxinha assim que a vê.
O costume pode ainda ser uma mania de sobrevivência na selva de pedra. Diante da concorrência grande familiar, prefere-se digerir em movimento para evitar possíveis roubos e partilhas. Porque sempre tem algum folgado esperando a refeição pronta do outro para elogiar, atalhar e pedir um pouco.
No começo de meu casamento, eu apenas reclamava da esposa, alegando que alimentar-se de pé era prejudicial à saúde, que ela passaria maus bocados quando envelhecesse.
Mas mordi a língua. Mineiro não dá ponto sem nó. A gravidade ajuda a evitar o desenvolvimento da doença do refluxo gastroesofágico. Além disso, com um maior uso de energia, queimam-se mais de 50 calorias por hora.
Enquanto Beatriz come, consegue, milagrosamente, realizar dieta ao mesmo tempo. Está explicada a sua esbelteza eterna.