Quando mineiro sente raiva de algo não compra discussão, não desafora, não faz passeata. Estranhamente diz:
- Que preguiça.
É um temperamento zen diante do calvário.
Tem preguiça para o desentendimento e atrito. Acha que não leva a nada.
Ele fica exausto só de fantasiar as consequências. Dá um pulo no futuro e volta para contar o que viu ao seu momento atual.
Não perde tempo com ódio, colocando mais carvão na fornalha do trem.
Ele esfria, congela, caminha para trás, antevendo que o convencimento não vale o esforço, de que a pessoa não vai mudar de opinião, que ela continuará o que quer independente dos bons conselhos.
Mineiro não se economiza no trabalho, na superação de desafios, de suar e demonstrar o seu valor, arregaça as mangas com altivez, mas se incomoda em gastar a energia sem necessidade, em assuntos espinhosos e imaturos que não encontrarão resposta imediata.
Ao diagnosticar que não há solução, deixa o tempo decidir em seu lugar. Não criará uma inimizade na hora. Prefere a isenção momentânea a destruir os laços. Sua aparente neutralidade é uma demonstração de respeito. Para que atalhar se o caminho certo é o mais longo?
Enfrentei essa indolência generosa de minha mulher. Tentava provar que eu tinha razão, totalmente equivocado, nervoso e irritado, repetindo detalhes de uma história interminável, daí ela me olhou com ternura:
- Que preguiça.
Não esperava tal atitude. Parecia que ela estava zombando de mim, entretanto, havia uma sabedoria de profecia no seu comentário: apenas concluía que não resolveríamos coisa nenhuma naquele tom de voz alto e de cabeça quente.
É impossível avançar numa DR em sua companhia. Gritarei e fritarei os nervos absolutamente sozinho, longe de sua cumplicidade.
Já testemunhei Beatriz, após desligar um telefonema, usar a mesma conclusão com a confissão de um amigo em apuros ou um problema complicado no serviço.
Quando ela percebe que terá uma longa tarefa pela frente, de reverter expectativas, antecipa o próprio cansaço.
Ela também aplica idêntica exclamação para contas implacáveis. Nem precisa me repassar o valor que sei que é alto.
Ao abrir o envelope do IPTU: - Que preguiça.
Ao abrir as linhas pontilhadas de uma multa de trânsito: - Que preguiça.
Ao abrir a carta de condomínio que pede reforma: - Que preguiça.
Existe ainda essa indisposição ao conflito em passeios indesejados, diferente das escolhas pessoais. Para ir a um lugar e encontrar-se com gente que não gosta, aceita-se o convite contrariado, na maior moleza, no maior desleixo, na obrigação moral de não expor a verdade.
Parte com o andar arrastado, desidratado, porém segue adiante. Não se ausenta para não brigar. É melhor comparecer e suportar o desgosto de uma vez por todas a depois ser motivo de fofoca e inventar desculpas para a sua falta.
A oposição é sempre indireta. O mineiro não pretende jamais que o desafeto descubra o que ele pensa dele.
No fundo da alma, ele é preguiçoso para o ódio.
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