FABRÍCIO CARPINEJAR

Truque mineiro para escolher o prato

'Cardápio longo confunde. Não ajuda os casais que estão saindo pela primeira vez juntos'


Publicado em 16 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Com cardápio longo, demora-se tanto para eleger uma prioridade que só há frustração. Você vai sempre achar que errou, que passou batido pelo principal. 

 É como ser obrigado a devorar um livro de 200 páginas em dez minutos. Ninguém tem paciência nem memória para tantos itens. Você não apenas lê, é obrigado a decorar e se lembrar dos números. 

As centenas de ofertas formam um caderno de areia, onde se sentirá engolido pelo tempo. 

 Ultrapassou seis folhas, não é mais cardápio, e sim pesquisa. Dependerá de sorte e inspiração. 

Mesmo quando o prato é bom, permanecerá com a cisma de que existia um mais saboroso devidamente escondido e indecifrável. 

Talvez opte pela receita mais óbvia, por preguiça e cansaço. 

Cardápio longo confunde. Não ajuda os casais que estão saindo pela primeira vez juntos. Eles olham, e olham, e não decidem. Os dois parecem confusos, hesitantes, amadores. Mais fácil dizer o “eu te amo” do que definir o que comer. 

Se não consegue destacar nem a entrada, já tem vontade de sair correndo. Enfrentará uma claustrofobia mental. Alguém cometeu a sandice de transcrever todo um bufê no papel. Ou um rodízio. 

 Já o cardápio curto é resolvido. O próprio restaurante definiu o que é melhor entre dez alternativas, fez uma triagem, o cliente tem mais chances de acertar. Não é prova dissertativa, porém de múltipla escolha. 

 

Não existirá nenhuma confusão ou perda de horas. É até mais simples para pedir uma indicação ao garçom. Não se mostrará sem graça, apático e desnorteado no meio da multidão de combinações. 

 

Mas a minha tática emprestada da mineirice é não consultar o cardápio. Ou não sofrer com ele. A convivência me trouxe esse truque. Eu me sinto livre da obrigação da letra pequena, das cláusulas miúdas do contrato. Sobrevoo as mil-folhas das hipóteses inumeráveis. 

 Pratico regras de aproximação. Eu me sento à mesa num lugar em que possa enxergar o ambiente inteiro e espero. Não tomo nenhuma iniciativa, a não ser solicitar a bebida. Não me precipito. Espero os outros clientes pedirem. E vou analisando a aparência dos pratos que pousam na mesa dos meus vizinhos. 

 Beatriz é quem me ensinou a estratégia infalível. Nunca dá treta ou reclamação do serviço. Nunca saio decepcionado pela porta não querendo mais retornar. Pago os 10% com um riso na carteira. 

 O mineiro é o são Tomé das panelas, somente crê vendo. 

 Assim, com a devida discrição de um olhar espichado, acompanho o que vem chegando ao lado. É muito mais atraente e realista do que os nudes dos filés ou do tropeiro. 

Reparo na apresentação e no envolvimento emocional dos comensais com a tábua servida: se festejam, se aplaudem, se suspiram, se salivam. 

 Acompanho a relação ao meu redor, a festa das guarnições com o vapor do entusiasmo. 

 Daí digo ao atendente que desejo o mesmo prato da mesa tal. Descubro o nome e nem abro o QR Code. Resolvo o dilema com uma passionalidade bem-pensada. É quase como uma refeição às escuras. Só que com a recomendação alvissareira de um desconhecido. Confio no palpite feliz de um estranho, que nem tem ideia de que está me influenciando. É o único momento de plágio na minha vida literária.

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