FABRÍCIO CARPINEJAR

Tudo joia?

Mineiro não dispensa o carinho das palavras. Gosta tanto que soletra. Pronuncia com ênfase.


Publicado em 11 de agosto de 2019 | 03:00
 
 
 
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Na hora de cumprimentar, não invente de virar o rosto ou falar baixinho. Resmungo não é admitido em Minas. O cotidiano pode estar virado pelo avesso, pode estar de mal a pior, não tem desculpa para não saudar o outro. Cumprimento independe do seu humor. Não exercê-lo é ofensa em último grau no código de conduta mineiro. É motivo de extradição. Significa despeito, desprezo, aversão. Até os desafetos se cumprimentam. Até os inimigos se cumprimentam.

Nem doença, nem morte de conhecido, nem fim de relação justificam o lapso. 

Desejar bom dia, boa tarde e boa noite são componentes indispensáveis da rotina. E precisam ser ditos olhando nos olhos, com a sinceridade de um primeiro encontro. 
Mineiro não dispensa o carinho das palavras. Gosta tanto que soletra. Pronuncia com ênfase. Quase como se estivesse no Gênesis, no princípio exuberante do mundo. 

Ao se encontrar com alguém que ainda não viu naquele dia, não tente atalhar com perguntas sem estabelecer a apresentação. Será malvisto. Informações só são repassadas depois de um sonoro cumprimento. 

Tanto que há três grupos em Belo Horizonte: os adeptos do “Tudo bom?”, do “Beleza?” e do “Tudo joia?”.

“Tudo bom?” é uma variação local do tradicional “Tudo bem?”. Muda-se uma letra e assim a alma inteira do enunciado. Trata-se de uma facção contida e reservada. Não é de conversa fiada. Mais ligada às questões materiais, envolvida na pressa e na resolução dos problemas. É a ala prática de Minas Gerais. Cumprimenta, mas não se demora. Usa a pergunta como recurso exclusivo e impessoal da educação. Não se interessa mesmo em saber como você está. Não é de expor a intimidade. Foge de embates ideológicos e evita indiscrições. Seu propósito é passar despercebido e finalizar as tarefas previstas. Não se demora nas fofocas. Não pretende perder tempo. É um coletivo pragmático, formado por executivos, empresários, corretores de imóveis, funcionários do serviço público. 

Já o time do “Beleza?”, em menor quantidade, é o que curte o sol e a leveza, sem estresse, num ritmo lento e hedonista. Busca o prazer estético dos encontros: quer discutir arte e apresentar as suas teorias. Espalhafatoso, já dança ao abraçar. Ri muito, mesmo sem motivo aparente. Nos finais de semana, anda de sandálias e bolsa de couro atravessada pelo corpo. São os novos hippies. Valorizam uma rotina essencial, de poucos luxos. Não são consumistas e perdulários. Descolados, frequentam shows a céu aberto e atividades de graça nas praças. Cultivam o hábito de uma boa cerveja artesanal. Alguns são vegetarianos e maratonistas. Partem da ideia de que todo mundo está feliz como eles. 

Por último, o conjunto majoritário de quem diz “Tudo joia?”. Dois a cada quatro mineiros empregam esse cumprimento. Às vezes, andando na rua, parece que estamos dentro de uma joalheria. É “Tudo joia?” para todos os lados. 

Existe desdobramentos adolescentes como “Joinha?”, porém, o sentido é igual. 

“Tudo joia?” refere-se à vocação mineradora do Estado. É uma homenagem às pepitas de ouro das cidades históricas. A linguagem incorporou diamantes em seu fluxo diário. 
Na concepção mental desse segmento, falar com uma pessoa é a grande riqueza da vida. Ao cumprimentar, o integrante vai parar o que estava fazendo. Nenhum esbarrão é rápido, nenhuma casualidade é superficial. Não importa onde estava indo, o destino principal é sempre a intimidade. Perguntará da saúde, do trabalho, dos filhos. Contará histórias e causos. E terá uma dificuldade para se despedir com infinitas saideiras. Uma de suas manias é trovar segurando no braço do interlocutor, para não deixar ninguém partir antes da hora. 

De forma nenhuma, representa uma ala preocupada com a segurança financeira, apesar da clara menção ao adorno precioso. Sua maior motivação é a família, a preservação das raízes.

O habitué do “Tudo joia?” coloca os parentes no topo de suas prioridades. Traz um espírito de amor absoluto ao torrão natal e a sua origem. Cuida dos familiares no interior, com visitas frequentes em verdadeiras caravanas. É um perfil religioso e trabalhador. Não se entrega jamais ao pessimismo. Sente-se culpado de terminar o papo e afiança promessas: venha lá em casa para um café! 

E aí, a qual grupo você pertence?

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