Terminei há pouco a leitura de autobiografia de Eric Clapton, livro que recomendo aos fãs de um dos melhores guitarristas do rock das últimas gerações. Geralmente as autobiografias são escritas com certa dose de piedade, poupando o biografado nas partes mais penosas de sua jornada e valorizando aquilo que interessa a ele e ao público. No caso de Clapton, mesmo a complacência de seu ghost-writer não foi suficiente para disfarçar o lado escuro e dolorido de uma vida – digamos assim – muito louca, bicho.

Fruto de um namorico rápido de sua mãe Patrícia com um piloto canadense, no final da 2ª. Guerra, Eric acabou sendo criado pelos avós e tios em Ripley, interior da Inglaterra. Patrícia se passava por sua irmã mais velha para esconder o fato. Logo após o parto ela foi tentar a vida em Londres. Numa das raríssimas visitas ao filho, o segredo da maternidade acabou sendo desvendado.

Arrumando as malas para pegar o trem, Patrícia ouviu de Eric a pergunta patética:

- Agora posso lhe chamar de mamãe?

- Melhor não – respondeu ela, secamente, embarcando de volta à sua vida de solteira.

Solitário na pequena cidade, como costuma acontecer com os adolescentes, Clapton encontrou refúgio no primeiro violão ganhado da avó. Entenderam-se muito bem, ele e o instrumento. Nascia ali o guitarrista que antes da idade adulta já ganhara o apelido de slowhand, tributo à leveza com que soava as cordas.

Depois, já reconhecido no meio musical, integrou os grupos Yardbirds, Bluesbrakers, Derek and the Dominos e o mais famoso deles – Cream, de vida curta e atribulada. Foi nessa época que comecei a acompanhar o Clapton; tinha todos os LPs do Cream, inclusive aquele da capa da garota nua que “escandalizou”, lembram? Porém, o destino de Eric Clapton era a carreira solo e nela ele cresceu como poucos.

Lendo sua história, é fácil perceber que o fato de chegar aos 79 anos deveu-se à tolerância do destino. Brigão, mulherengo, polêmico, difícil de conviver, Clapton teve a vida marcada por drogas, conflitos, orgias, amores complicados e confusões com seu público e empresários. Obcecado por Pattie Boyd, ex-mulher de George Harrison e inspiradora do famoso “Layla”, com ela manteve um casamento instável que durou pouco tempo; Pattie não suportou suas loucuras. Por décadas bebeu duas garrafas de vodca por dia, além do uso de cocaína, heroína e haxixe. Adorava carros esporte e quase morreu ao arrebentar uma Ferrari num poste, bêbado, voltando de uma briga com seu agente.

Tragédias sucessivas pontilharam sua biografia, como perdas de amigos do peito (Jimi Hendrix foi um deles), acidentes com integrantes das bandas e a morte de seu filho de 4 anos, Conor, despencando da janela de um prédio em Nova Iorque. Para o garoto, Clapton compôs um de seus sucessos mais conhecidos, “Tears in Heaven”.

Nos anos 90 veio a grande virada - para melhor. Casou-se com Melia, bem mais jovem, fundamental na arrumação de sua nova vida. Tiveram três filhas; curou-se da dependência química, voltou aos palcos e brilhou novamente. Promoveu um leilão de sua imensa coleção de guitarras construindo com o dinheiro arrecadado o “Crossroads”, um centro de recuperação de drogados no Caribe.

Há alguns anos a saúde começou a cobrar a conta da vida maluca. Foi diagnosticado com neuropatia periférica, doença que – ironicamente – ataca sobretudo as mãos e os pés. Na turnê internacional de setembro, quando passou pelo Brasil, tocou algumas músicas assentado; já não tem pernas firmes. A gente sabe que todo mundo têm um fim, é a vida. Mas alguns finais são mais doloridos que outros.