Se você viu trechos dos antigos telejornais da Korean Central Television vai se lembrar de Ri Chun Hee. Aposentada, a septuagenária deixou de herança um estilo de apresentação dramático na bancada da TV. Ri Chun Hee interpretava as notícias adicionando emoções afinadas com seu balofo e impiedoso patrão. Ela se derreteu em tremores, soluços e chuvas de lágrimas anunciando as mortes de Kim Il Sung e de Kim Jong Il - o avô e o pai do atual ditador comunista. Já as conquistas militares do país, como testes nucleares e o lançamento do míssil intercontinental, iam ao ar em meio a sorrisos e pulinhos incontroláveis na poltrona. Notícias do arqui-inimigo demoníaco EUA ganhavam cara fechada e perdigotos indignados.
Guardadas as devidas proporções do ridículo e do exagero, o jeito Ri Chun Hee de noticiar parece ter contaminado alguns profissionais das TVs brasileiras. Expressões de censura, sorrisos irônicos, manchetes dúbias e frases repletas de insinuações maldosas de repórteres, âncoras e comentaristas polvilham dúvidas sobre a importância, veracidade, necessidade ou honestidade das decisões do governo. Nasceu uma nova moda jornalística: a princípio, descer o cacete em tudo que vier de Brasília.
A razão dessa pirraça não se origina da visão crítica esperada da imprensa, essencial em qualquer regime. Ou de pontos de vista contraditórios, democráticos e necessários nas discussões. Infelizmente, o motivo é outro. O corte de verbas de órgãos e estatais que mantinham, via propaganda, cerca de 70% dos orçamentos das emissoras no Brasil (aqui escreve um ex-publicitário que já viu de tudo) abalou suas bases financeiras pela primeiríssima vez. Vale lembrar que nos casos de dinheiro público nem se falava nos descontos normais, aqueles de praxe nas negociações com anunciantes privados. Era sempre “tabela cheia” - e não se discute.
Assim, milhões de reais mensais bancavam novelas, séries, shows, reportagens, mordomias, projetos culturais, cafezinhos e outros estimulantes – enfim, quase a totalidade dos custos globais. Na ausência do farto dinheiro público, salários foram reduzidos drasticamente. Produções, espremidas ou canceladas. Demissões pipocaram e continuam pipocando. Para piorar, veio a pandemia e os canais gratuitos da internet invadiram o mercado (um dos mais vistos da área jornalística alcançou a marca de 3 milhões de inscritos nesses dias). Ameaçada, a mídia tradicional vinga-se dos cortes através de deboches, maus-humores e picuinhas constantes.
E não se restringiu às TVs, criando situações curiosas, quando não engraçadas. Um jornal deu manchete: “A economia dá mais sinais de despiora”. “Despiora”? Socorro, Camões, Pessoa, Rosa, Aurélio! Outro botou na primeira página: “País agiliza liberação e compra de mais vacinas”. Devoto fiel da comunicação clara, fiquei na dúvida: qual país seria esse? Tanzânia? Nepal? Montenegro, porventura?
Que nada: o “país” em questão era o nosso, mesmo. Imaginei o redator suando para montar a manchete otimista, evitando a todo custo creditá-la aos substantivos “governo”, “ministério” ou até mesmo “Brasil”.
Mais vacinas representam mais esperanças em meio à pandemia que vivemos; cenário adverso também explorado diariamente pelo sensacionalismo. Uma apresentadora até escorregou no ato falho: “infelizmente, vamos dar uma notícia boa”, confirmando a percepção de que notícias boas para os brasileiros agora também são notícias ruins para alguns que as dão.
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