
Casa Horror
Prestigie o novo evento urbano
Exibindo espaços acolhedores, bonitos e inovadores, a Casa Cor é sempre um sucesso. Nos eventos, arquitetos, paisagistas e decoradores exibem seus talentos à vontade. Tenho muitos amigos dessas áreas que criam ambientes sensacionais, soluções inéditas de materiais, formas e cores.
Se você, assim como tantos, curte a arte de morar bem, convido-o a dar um pulinho no bairro Cruzeiro, rua Mestre Lucas, bem no início, quase esquina de Afonso Pena. Ali, em mostra permanente e sempre atualizada, está agora instalada a fantástica Casa Horror.
Fiel à sua vocação, a nova Casa Horror ocupa a fachada e a calçada do IAB - Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento de Minas Gerais. Se for de carro, não se preocupe: o estacionamento é fácil nas ruas adjacentes. Porém, pelo sim, pelo não, tranque bem o veículo e olhe em volta primeiro. (Isto só porque fui assaltado ali num sábado ao meio-dia por dois caras drogados e armados; nada demais).
Se a brisa estiver em sentido favorável, desde o quarteirão anterior você poderá sentir o aroma exalado pela Casa Horror. A fragrância vem do acúmulo de material no talude arborizado, voltado para o logradouro público, integrando um espaço democrático e popular às manifestações da comunidade. Solícita, a vizinhança participa depositando ali suas contribuições espontâneas: sacos de lixo, sacolas velhas, fraldas usadas com cocô, urina e outros fluidos corpóreos; absorventes, preservativos de cores e dimensões variadas, eletrônicos quebrados, marmitas, máscaras e toucas descartáveis, latas e garrafas (estas, recicláveis, claro).
Tais acessórios-intervenções ocupam não apenas o grande pórtico como também a pérgula, e em breve, pelo volume crescente, alcançarão a abóbada da instalação. Imagino tratar-se de uma alusão subliminar-crítica-reflexiva aos dejetos-rejeitos-refugos da sociedade de consumo; essas coisas de intelectuais que a gente, ignorante que é, não alcança.
Como previsto, a rica biodiversidade brasileira ganha destaque na Casa Horror. Sobretudo ao entardecer e nas horas subsequentes você e sua família poderão presenciar o desempenho frenético de espécimes como os Rattus novergicus – nossa típica e querida ratazana nacional - e também seus predadores da cadeia alimentar, como os elegantes Felis catus da região.
Não seria diferente: a Casa Horror abriu oportunidades para todos os grupos e coletivos minoritários, sem preconceito ou discriminação. Ontem, passando por lá, vivi uma experiência marcante, parte da programação: fui espectador de uma animada disputa por restos de hambúrguer e batata-frita protagonizada por uns dez felinos. Já os roedores famintos aguardavam ansiosos e nas sombras a possibilidade de usufruírem dos restos do embate. Foi arrepiante, diria.
Coerente com os princípios de um empreendimento politicamente correto, a Casa Horror não é monitorada, vigiada, controlada por ninguém. O poder municipal e o Instituto parecem repudiar veementemente medidas que cerceiem o livre desenrolar das atividades. Assim, indivíduos de qualquer idade, gênero, etnia, crença ou opção afetivo-sexual, desocupados ou refratários aos convívios sociais podem desfrutar do ambiente sem ônus, deveres ou contrapartidas. A eles é facultado, inclusive, repousar ali dia e noite, receber convidados, fumar, beber, satisfazer suas necessidades fisiológicas sem repressão. Isto sim é morar bem, concordam? Dependendo da hora, o leitor poderá apreciar a interessante rotina de um desses habitantes da Casa, desde que respeitando seu habitat, privacidade e lugar de fala.
Enfim, a Casa Horror é um exemplo de cuidado com o espaço comunitário; um olhar fraterno e tolerante sobre as relações humanas em plena área nobre da capital. Olhar por olhar, você nunca viu nada igual. Nem eu.

