Tempos atrás, em Chicago, vi um outdoor que nunca mais me saiu da cabeça. Colocado pela prefeitura, fazia parte de uma campanha publicitária pela redução do lixo na cidade. Via-se a foto asquerosa de ratazanas fuçando a sarjeta onde se espalhavam restos de comida e imundícies de todo tipo. Dizia o título: “Se tivéssemos menos porcos, certamente teríamos menos ratos”.
Nada pessoal contra as referidas espécies, que têm lá suas funções na intrincada cadeia da natureza. Por exemplo: visitei em Bikaner, na Índia, o inquietante Templo dos Ratos, onde algo perto de 20 mil roedores circulam livremente pelos pés dos que ali se atrevem – sejam devotos da deusa Karni Mata, patrona do templo, ou turistas curiosos, como eu. Para minha surpresa, passeei em meio aos ratos tranquilamente, refletindo sobre as inúmeras formas de vida, sem grilos, enquanto eles corriam, brincavam e até treinavam posições do Kama Sutra com as ratinhas. Claro que de volta ao hotel, pelo sim, pelo não, passei um álcool básico nas mãos e nos pés.
Infelizmente, ratos e porcos são comumente associados à sujeira. E em seu sentido figurado, irônico e de sabedoria profunda, a frase do tal outdoor de Chicago sempre me volta à memória cada vez que leio as notícias do Brasil. Diante de um novo escândalo nacional, busco logo identificar os respectivos papéis: quem são os porcos e quem são os ratos dessa nova história?
Ora: os porcos do momento se enquadram perfeitamente na descrição de George Orwell em seu atualíssimo “A Revolução do Bichos”. Jovens que não leem, sigam meu conselho: leiam pelo menos esse livro (é pequeno, fininho, barato) para entender como funcionam as coisas no chiqueiro do poder. Lá é onde os políticos discursam que “todos os porcos são iguais, mas alguns porcos são mais iguais que outros”. Dizem que um gambá cheira o outro, reconhece o outro e está sempre pronto para alianças e acordos inomináveis visando a tretas e facilidades nas safadezas.
Nossos porcos não têm escrúpulos ao se lambuzarem nos privilégios, sabendo que o dinheiro das campanhas políticas, das mansões, dos carros de luxo, das joias e demais brinquedinhos é o mesmo que falta na fila dos hospitais, na mesa de milhões de brasileiros, nas escolas miseráveis desta pátria dita educadora. Já os ratos, com seu faro apurado, estão sempre atentos às oportunidades de se associarem aos colegas e faturarem uma boa grana. São acordos operacionais, verdadeiras sociedades anônimas mantidas no anonimato até que a Polícia Federal as descubra. Aí, como de hábito, dizem-se inocentes, negam tudo veementemente e, quando podem, correm para suas tocas – algumas localizadas no exterior.
Nem sei bem por que resolvi escrever hoje sobre corrupção. Coisa rara no Brasil, não acham? Pois sim. A sucessão de atrocidades que nos rodeiam já é suficiente para manter nossa boca amarga e o coração indignado. Todo dia uma coisa nova. Pela frequência, há o risco de que tudo isso comece a se diluir na paisagem, levando as pessoas a não dar mais bola e a achar tudo “normal”.
E aqui entra mais um bicho en minha crônica: o famoso sapo da panela. Como sabem, se colocado numa caçarola com água fervente, um sapo salta fora e sobrevive. Mas, se a água estiver fria e for lentamente aquecida até a fervura, o batráquio não sente a mudança e morre cozido. Sapo escaldado, continuo a me espantar a cada nova mala encontrada com milhões; a cada nova concorrência fraudada; a cada novo butim desviado para um partido. Licença, caros leitores, para o último bicho de hoje. No Brasil agora é assim: puxa-se uma pena, vem uma galinha.
Guimarães Rosa dizia que o sapo não pula por boniteza, mas por precisão. Seguindo seu conselho, salto fora do baixo-astral lembrando-me de um provérbio também aprendido na Índia, na mesma viagem relatada acima. Diz o dito popular de lá: uma casa em construção às vezes fica mesmo parecida com uma casa em ruínas. Tomara que aqueles gurus sorridentes estejam certos em suas previsões.