A equipe de filmagem e a tripulação estudaram cuidadosamente a rota. O diretor conferiu o equipamento: câmeras, baterias e gravadores bem acomodados na cabine do avião cujas portas foram removidas para as tomadas aéreas. Aguardam-nos o céu azulíssimo e o verde infinito da Amazônia em mais um dia de trabalho. Hoje filmaremos parte da rodovia e as pontes que estão sendo construídas por uma empresa brasileira no país vizinho, junto à nossa fronteira. Estamos instalados há três dias na zona limítrofe, indo e vindo, dormindo mal, comendo pior e servindo de banquete aos insetos.
Prontos para a decolagem? Opa! Ainda não, diz o engenheiro-chefe da obra, pedindo-nos cinco minutinhos. Com um aceno de mão, convida-me a acompanhá-lo ao escritório do pequeno aeroporto.
- Vou dar uns telefonemas... – sussurra, preocupado.
Primeira ligação. Fala em espanhol, em voz alta:
- Buenos días, capitán!
O engenheiro-chefe conversa com militares do país vizinho; pede autorização para o sobrevoo. Informa o modelo da aeronave, prefixo, cores, percurso, etc. Termina com um muchas gracias.
Em seguida, tira do bolso a agenda telefônica. Segunda ligação:
- Ola, como estas? Soy el ingeniero jefe de la empresa constructora...
A mesma conversa, as mesmas informações: pediu permissão também ao chefe do tráfico, por segurança. Só então, devidamente autorizados pelos virtuais detentores do território e pela tropa que os combatia, pudemos decolar a salvo de rajadas antiaéreas do exército ou dos guardiões de um refino oculto sob as árvores.
Relembrando o caso, chequei meus passaportes antigos para conferir. A data é 19 de agosto de 1986 no visto de entrada no país sul-americano.
Portanto, há pelo menos 36 anos a fronteira amazônica já era território amplamente dominado pelo tráfico – atividade que certamente começara décadas antes. Cerca de 5 milhões de km² de florestas, rios e montanhas são perfeitos para plantar, transitar, esconder, traficar, fazer os diabos sem que ninguém incomode.
Um ex-deputado, conhecedor da região como poucos, vem alertando para uma das causas mais graves dessa bagunça: exatamente a desocupação das faixas de fronteiras. Ali, a presença forte do Estado e com desenvolvimento – cidades, agroindústrias, empreendimentos – constituiria uma barreira mais eficaz contra a bandidagem centenária. Assim fizeram em suas divisas os países mais atentos ao problema: ocuparam-nas prudentemente com gente e infraestrutura para fiscalizar melhor.
Mas no Brasil, infelizmente, grandes áreas das fronteiras sul-americanas são reservas indígenas - milhares de quilômetros quadrados exclusivos de algumas centenas de indivíduos. É justo? A intelectualidade militante, ainda defensora da balela do “bom selvagem” do alto de sua arrogância e onisciência, precisa dar um passeio por lá e rever conceitos que absolvem previamente de atos reprováveis todo e qualquer indivíduo que use um cocar.
Da mesma forma que ribeirinhos brancos, negros, pardos, caboclos, cafuzos e amarelos, conta-se que vários índios são hoje parceiros de rentáveis negócios ilegais de caça, pesca, madeira, garimpo, armas e drogas. Em nome da sobrevivência e dos ganhos atraentes, fazem lá suas alianças secretas.
Até que ponto existem grupos interessados em manter esse cenário criminoso a todo custo? A tática é confundir. Qualquer assunto ou evento é logo maquiado ou politizado através de narrativas absolutamente ridículas e dissuasivas, replicadas de forma irresponsável pela mídia sedenta de furos.
Isso explicaria a repercussão de viés conspiratório provocada pelos trágicos e cruéis assassinatos do ex-funcionário da FUNAI e do jornalista inglês. Tais como outros viajantes inofensivos ou intrusos indesejáveis, eles pisaram na terra que parece ser de ninguém - mas que são domínios dos caciques de colarinho branco e suas quadrilhas.