Flávio Saliba

Pausa para meditação

Implicações da posse de Biden e do cenário global sobre o Brasil


Publicado em 22 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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A posse de Joe Biden trouxe-me uma inesperada lembrança da infância: minha avó e minhas tias avós colando os ouvidos num velho aparelho de rádio para ouvir “Pausa para Meditação”, apresentada por Júlio Louzada na rádio Tupi ou Tamoio, não sei ao certo.

Com efeito, o primeiro sentimento que me veio à mente com o fim da era Trump foi, além do alívio, o da necessidade de meditar. Fazer uma pausa para meditar sobre a fragilidade da democracia, inclusive na maior potência democrática do planeta. Afinal, foi a democracia que garantiu o acesso ao poder da figura mais presunçosa, egocêntrica, racista e antidemocrática da história dos Estados Unidos da América. O risco e o preço a pagar foram muito altos, tanto para os norte-americanos quanto para o resto do mundo, que assistiram boquiabertos ao ataque terrorista ao Capitólio.

Durante os últimos quatro anos, os norte-americanos de bem viveram sob tensão aguardando a próxima mensagem de ódio, a nova ameaça, a nova mentira. Apesar da crise sanitária, que já deixou mais de 400 mil mortos, das milícias armadas e dos supremacistas brancos que lograram dividir a sociedade, a esperança parece estar de volta àquele país. Até quando? Que não seja eterna apenas enquanto dure, como sugere o poeta.

Quanto a nós, brasileiros, cabe a pergunta: “E agora, José?”. Seu mestre dançou, o oxigênio faltou, a vacina não vem, e a diplomacia falhou. É bem provável que o atraso no envio de vacinas e insumos da Coronavac ao Brasil seja uma retaliação do governo chinês às infundadas críticas feitas por membros do governo brasileiro ao nosso principal parceiro comercial. Ah... a China depende de nossa agropecuária, costumam dizer. Depende em termos. Os Estados Unidos competem conosco nessa área e podem facilmente suprir aquele mercado. Isso para não falar de países asiáticos e africanos que podem, com o incentivo da China, supri-la de produtos primários.

A incerteza quanto às vacinas da Índia parece decorrer de razões semelhantes às da China, já que o Brasil, aliando-se aos países desenvolvidos, foi contra a proposta indiana na OMS de quebrar as patentes de todas as vacinas contra a Covid-19 produzidas no mundo.

Por sua vez, vai levar algum tempo para que nossas relações com os Estados Unidos sejam normalizadas. O apoio explícito à candidatura de Trump, a afirmação de que as eleições presidenciais norte-americanas foram fraudadas, a demora no reconhecimento da vitória de Biden e o descaso do governo brasileiro com o meio ambiente são imensas pedras neste caminho.

Talvez seja necessário que, para remover as barreiras à retomada do diálogo com a maior potência mundial, o governo brasileiro seja obrigado a começar pelo afastamento de um ou dois de seus ministros mais imprudentes e boquirrotos.

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