Flávio Saliba

Pensando e bordando

Fragilidades na defesa da esquerda pela filosofia atual


Publicado em 06 de março de 2020 | 16:59
 
 
 
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Não é de hoje que me pergunto como foi possível que países comunistas, como China e Rússia, ao se abrirem para a economia de mercado, contassem de imediato com um sem-número de bilionários. Alguma dúvida de que estes últimos integrassem a alta cúpula do partido, apoderando-se desde sempre da riqueza coletivamente produzida? 

Trata-se do que alguém chamou de “capitalismo oculto” em contraposição ao capitalismo declarado. Em outras palavras, trata-se da apropriação privada da riqueza produzida pelo capitalismo de Estado, algo semelhante à corrupção promovida por economias capitalistas em que o Estado onipresente opera uma infinidade de empresas. 

É algo próximo, também, do que as oligarquias tradicionais sempre fizeram ao transformarem o Estado em sua principal fonte de renda: salários astronômicos para a família e apaniguados, benesses, penduricalhos e pensões vergonhosas para filhas solteiras, que não se casam, mas têm companheiros e filhos. 

Eu me pergunto o que se passa pela cabeça daqueles que sonham e apregoam a crescente socialização dos meios de produção. No poder, a esquerda brasileira empregou os mesmos métodos citados e, ao ser desmascarada, entregou o poder de mão beijada à extrema direita. Perdeu credibilidade para governar e fazer oposição. 

No momento pode prestar algum serviço denunciando casos de desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Não tem propostas confiáveis e, como afirma o filósofo José Arthur Giannotti, “a esquerda precisa fazer uma boa análise do capitalismo contemporâneo, mas ninguém fez isso ainda”. 

Com toda razão, ele afirma que a filosofia no Brasil se resume a comentários e xingamentos. E não é outra coisa que fazem, por exemplo, o filósofo Vladimir Safatle e o filósofo/chefe de gabinete da Presidência do PT, Gilberto Carvalho, em entrevista à revista “Época”. 

O primeiro afirma que a esquerda no Brasil morreu porque “não se radicalizou quando foi necessário, do ponto de vista econômico e político”. Já imaginaram o que seria uma radicalização à esquerda comandada pela Odebrecht e por altos dirigentes da Petrobras? Nos poupe. 

Já Carvalho, mais otimista, prefere dizer que a esquerda está apenas “numa profunda crise” e que “a sociedade mudou e nós não estamos dando o mesmo padrão de resposta”. Grande pensador! 
Os xingamentos, ao que parece, ficam por conta dos críticos do chamado “marxismo cultural”, cujo maior expoente seria Olavo de Carvalho.

Segundo Giannotti, muito da filosofia feita hoje – e eu acrescentaria das ciências sociais – é bordado. E detona: “Se você for ao Departamento de Filosofia da USP, vai encontrar várias bordadeiras, gente que pega um pedaço de Decartes e estuda. Estuda aquele negócio e fica lá bordando. São estudos interessantes, mas são bordados”.

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