Flávio Saliba

Redistribuição de renda ou barbárie

Thomas Piketty, tributação e desigualdade


Publicado em 18 de outubro de 2019 | 03:03
 
 
 
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Vira e mexe somos apresentados a novos e talentosos economistas com livros vendidos aos milhares ou milhões. O nome do momento é o do francês Thomas Piketty, autor da obra “O Capital no Século XXI”, em que defende a tese de que no longo prazo o capitalismo é altamente concentrador de renda e, portanto, gerador de enormes desigualdades sociais. Seu mérito encontra-se, sobretudo, no exaustivo trabalho de pesquisa e coleta de dados que remontam a mais de cem anos, para provar que o retorno sobre o capital, em cinco nações ricas, é maior que a economia como um todo e que quem tem muito sempre acaba ganhando mais.

Seu argumento, no entanto, para além de comprovar estatisticamente a brutal concentração de renda, parece ignorar que este é um fenômeno estrutural do capitalismo financeiro que gera riquezas sem lastro, fonte permanente de pressões inflacionárias e crises recorrentes. Os lucros auferidos pelos bilionários destinam-se, sobretudo, a investimentos financeiros especulativos, o que tem a ver com a fuga do capital de setores produtivos com taxas de lucro inferiores aos da média da economia.

A proposta do autor para a remediação das desigualdades é óbvia: a instauração de um sistema de imposto progressivo sobre a renda e a propriedade. Reconhecendo que tal objetivo enfrenta enormes resistências, Piketty argumenta que seria necessário “transformarmos o sistema econômico atual para torná-lo menos desigual, mais justo e durável, tanto entre países como em cada país”.

No caso do Brasil, Piketty argumenta que o atraso em seguir um modelo de tributação mais redistributivo se deve tanto a “limitações doutrinais e ideológicas” quanto à ausência de uma maioria parlamentar adequada. As coisas se complicam quando ele afirma que “no Brasil, como na Europa e nos Estados Unidos, é impossível reduzir as desigualdades (...) sem transformar o regime político, institucional e eleitoral”.

Ufa... transformar esse regime não é tarefa fácil. Implica, entre outras coisas, uma mudança cultural secular, mais ao estilo democrático dos países nórdicos do que aos exemplos de regimes autoritários. As sociedades modernas têm passado por um longo processo de transformação cultural, tanto em função de regras democráticas quanto pela pressão das esquerdas, que tornaram consensuais as noções de direitos da cidadania e de igualdade de oportunidades. De qualquer forma, a tributação progressiva não pode ser radical a ponto de desestimular investimentos produtivos, nem tão frouxa que deixe de promover uma substancial redistribuição de renda. Esta, ao favorecer a ampliação do consumo, termina por dar fôlego, ainda que provisório, ao próprio capital.

O resto é barbárie.

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