A crise sanitária mais nociva dos últimos 100 anos abre um livro de lições para governos e protagonistas da política, o que em educação se chama “aprendizagem pelo erro”. Um conjunto de situações se escancara: o despreparo do Estado para enfrentar a pandemia; a concentração da produção de vacinas em poucos países, submetendo os demais ao seu mando; a precária rede social de muitos territórios, destruída desde a crise financeira de 2008; a lentidão no processo de reconversão de parques industriais para a produção de equipamentos de proteção.
Pensava-se que o surto seria rapidamente controlado. Com sua evolução e o crescente aumento do número de mortes, os maiores centros de pesquisa, a partir da China, sacaram suas armas de defesa e passaram a dar respostas mais eficazes, como a produção de vacinas em menos de um ano, feito inédito. Mas os que ainda sofriam com restrições fiscais advindas da crise financeira, como alguns países europeus, e outros que haviam cortado benefícios sociais, foram lerdos no combate à Covid-19.
Os Estados Unidos, cuja liderança mundial foi corroída na era Trump, governante inclinado a fechar o país e a apoiar o nacionalismo, despertaram com Joe Biden para a retomada do protagonismo. Ao constatar o despreparo de seu sistema de saúde, com a mais alta taxa de mortalidade do mundo, os EUA passaram a aplicar pacotes de socorro e planos de recuperação de US$ 4 trilhões. Na Europa, um pacote de 750 bilhões de euros foi a resposta.
Quem mais avançou na crise foi a China que, apesar da acusação de o vírus ter vazado de um dos seus laboratórios, tem sido o principal produtor de vacinas. De modo estratégico, a China avançou no campo científico, o que, nesses tempos de tormenta, quebra resistências e atenua a onda crítica contra o sistema político.
O fato é que as nações abriram os olhos para a necessidade de uma produção capaz de suprir a demanda global, em um esforço para evitar a superconcentração de vacinas e insumos em poucos lugares, tentando nivelar o poder geopolítico. O susto foi grande, motivando governos a atrair ou instalar empresas de alta tecnologia na área da saúde. Incluem-se reclamações sobre a missão da Organização Mundial da Saúde e, mais uma vez, o viés ideológico impregna a discussão.
E a cena mostra o aparente conflito entre a globalização e o nacionalismo, ou seja, continuar a abrir fronteiras físicas e ideológicas ou fechar a porteira. Globalização ultrapassa a simples ideia de abertura de fronteiras físicas. Trata-se de interpenetração de valores, princípios, costumes, enfim, um ideário cada vez mais aberto aos habitantes do planeta e em visibilidade intensa e permanente pelas redes sociais.
Difícil desmontar tal engrenagem. Já o nacionalismo volta ao debate na onda da garantia do trabalho, com a pregação de que seus espaços sejam ocupados pela população originária do país e não por estrangeiros.
O foro tende a acender os ânimos com as ferramentas tecnológicas tomando o lugar das pessoas. Sobre o Brasil, as inferências ficam em aberto. Mas o leitor pode fazer a sua leitura.