Há muitas questões no ar e qualquer previsão sobre o amanhã será precipitada. Mas os eventos destes dias de medo permitem que se façam inferências razoáveis. Por exemplo, o mundo do trabalho terá novas convenções, com parcelas das atividades exercidas em casa, e impacto forte em salários e emprego.
Mais precavidos aos movimentos migratórios e aos riscos do turismo, os países reforçarão sistemas de segurança e controle, acionando o nacionalismo de partidos e governantes. Isso pode se exacerbar em algumas nações de líderes populistas.
As relações internacionais, apesar do pragmatismo dos negócios e das parcerias, focarão áreas estratégicas, como energia, reservas naturais e telecomunicações. Sobre as teles, sabe-se que quem delas se apodera domina a alma de um país. Tudo corre por suas veias.
Mudanças em diversos campos. Dito isso, puxemos brasa para nossa sardinha. O que poderá ocorrer aqui? Sem estender os limites da reflexão, fiquemos apenas com a política, a começar pela galeria de nossos quadros. Está claro que a sociedade vai procurar um líder. Uma das lições da atual crise é a de que o país está entregue a indivíduos sem qualidades para tocar um projeto de país. Dispomos até de bons técnicos, mas sem capacidade para comandar e unir o povo em torno de uma ideia de Nação próspera, integrada à nova ordem mundial.
A crise escancara a pequenez do governante-mor, incapaz de promover a união entre os Três Poderes e alcançar valores como harmonia e independência.
Legislativo e Judiciário, no vácuo do Executivo, se esforçam nas demandas mais prementes. Mas essa é a hora de exigir do Executivo diretrizes e firmeza. Este Poder sairá menor da crise com previsão de arrefecimento desse presidencialismo de cunho imperial. Se o Estado se ausenta em momentos cruciais, estiolam-se a credibilidade e a esperança nos governantes.
O presidente Jair, mesmo mudando seu discurso sobre isolamento vertical, continua distante do Congresso e do Judiciário. Este, pelo presidente Toffoli, prefere a ciência e não o "achismo" contra o coronavírus. E se a corda arrebentar? Não há como sugerir ou debater coisas como impeachment, pois Bolsonaro ainda mantém 30% de aprovação. Mas certo abalo haverá.
E se o presidente, ante eventual devastação social – ataques, assaltos, quebradeira – avocar o direito de governar por decreto? Já é possível, a esta altura, enxergar o presidente buscando hipertrofiar o Poder Executivo diante de outros Poderes, num jogo de guerra na intenção de atrair audiência e emplacar uma agenda que lhe permita governar por decretos nos moldes ditatoriais.
Mas o Congresso está precavido. Rodrigo Maia, matreiro, administra bem o excesso de MPs na Câmara. No Senado, Alcolumbre e Anastasia também estão atentos. A bola agora está com o governo, de quem se espera maior disposição para vencer a burocracia e distribuir recursos aos carentes.
Seja qual for o desfecho da crise, nossa democracia seguirá adiante. A sociedade estará cada vez mais exigente e crítica, a cobrar transparência, melhores serviços públicos, a partir da saúde, disposta a despachar representantes que não cumpram promessas de campanha e a entrar com mais vontade no tabuleiro da política.