Existem sociedades sem Estado, mas não há Estado sem sociedade, porque ele é apenas a instância organizadora dos sistemas sociais quando o volume de população exige os cuidados para promover a segurança dos indivíduos, a integração social e o bem-estar coletivo. Assim, os cidadãos não devem admitir sua preponderância, mas os brasileiros aceitam isso nos momentos mais críticos, como vivemos agora.
O distanciamento entre o Estado e a sociedade começou no período colonial, quando a comunidade era submetida a rígido controle de Portugal, que sugava as riquezas sem deixar benefícios aqui. Houve esperança de que isso mudaria, após a Independência, mas o Estado foi apropriado pela elite formada pelos mesmos “homens bons” que, desde o início, controlavam o poder local e isolavam-se do povo. Sem participar do processo político, ainda hoje a massa percebe-o como uma instância que seria exclusiva das classes privilegiadas.
Os brasileiros permanecem tão alheios ao Estado que não protegem os bens comunitários, justificando que são “do governo”. Esse patrimônio é, então, depredado para manifestar repulsa a governantes ruins. Há também sua apropriação individual, desde os camelôs que ocupam a calçada até os políticos que usam a estrutura oficial em benefício próprio. Ninguém reage a essas práticas porque a maioria tenta obtê-las para conseguir, algum dia, vantagens pessoais.
Essa postura permite que as autoridades construam sua carreira pelo atendimento aos interesses pessoais de seus eleitores, porque podem controlar seu curral eleitoral e introduzir agentes confiáveis na máquina pública. Isso lhes garante vantagens materiais imediatas e preservação da lealdade de seus protegidos e suas famílias. Essa estratégia sobrepõe-se ao atendimento de aspirações coletivas que viabilizariam o desenvolvimento regional, a ruptura da subserviência da população à classe política e o bem-estar comunitário como um direito reconhecido pelo Estado.
A preferência pela ação individualizada e a troca de favores condicionam a definição da cidadania dos brasileiros. Eles não se percebem como membros ativos do Estado, em que são tratados calorosamente pelos candidatos na época das eleições e ignorados pelos vitoriosos logo depois. Os eleitos isolam-se para evitar pedidos de emprego, ajuda material e intermediação de favores, mas livram-se, ao mesmo tempo, do cumprimento de promessas feitas durante a campanha. As barreiras ficam tão eficientes que a população não se torna protagonista do processo político, desistindo de suas reivindicações até o próximo pleito.
Os brasileiros irritam-se com a obrigatoriedade do voto, argumentando que não confiam nos políticos, mas negociam frequentemente seu apoio aos poderosos para obter privilégios. Isso inviabiliza a identificação correta de quem é corrupto e quem é corruptor. Fica patente apenas que candidatos e eleitores querem construir a própria trajetória sem preocupação com sólido projeto nacional.
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