Marcel Mauss publicou, em 1923, “Ensaio sobre a Dádiva”, mostrando que há, em diferentes sociedades, um constante dar, receber e retribuir. Assim, esse estudo fundamentou muitas análises sobre importantes instituições de nosso cotidiano. A celebração do Natal, por exemplo, não é simples resposta ao marketing no mundo capitalista; trata-se de estratégia para aperfeiçoar relações sociais pela afirmação de laços afetivos e promessa de fraternidade. Os brasileiros aproveitam esse rito para encerrar o ciclo de trabalho, que aqui coincide com o ano civil. Enfatizam, especialmente, a troca de presentes que seduz todos, pois queremos registrar apreço aos que amamos e àqueles com quem compartilhamos atividades profissionais.
A dádiva contém, segundo Mauss, uma força mágica, religiosa e espiritual – denominada “mana” pelos Trobriand do Pacífico Ocidental – que se desloca do doador para o beneficiário. Dispensa alto valor material, pois expressa afeto, lealdade ou gratidão, em interação mais nobre que as transações econômicas. Isso cria uma ciranda de sentimentos, fortalecendo vínculos afetivos ou profissionais e gerando compromissos mútuos.
A dádiva pode implicar, entretanto, caráter negativo quando se torna instrumento para clientelismo e corrupção, que interferem no processo de modernização do país. Patrões não pagam salários justos aos empregados, justificando que “dão sempre remédio, roupa usada, sobras de comida ou material de construção para o barraco”, mas exigem lealdade incondicional dos favorecidos como retribuição aos presentes. Esse artifício perpetua a desigualdade social favorável às elites, pois elas mantêm seu conforto e a gratidão dos excluídos a baixíssimo custo econômico.
A corrupção por presentes é mais deletéria ao país porque constitui aliciamento de agentes públicos por quem busca privilégios no Estado, sem deixar rastros bancários. Os corruptores usam, então, as festas natalinas para oferecer “lembrancinhas” a ocupantes de cargos estratégicos na máquina oficial e cobram retorno em favorecimento nos negócios. As investigações policiais dos últimos anos têm indicado muitos casos em todos os setores, provocando enorme prejuízo à sociedade, especialmente pela deterioração dos serviços públicos e das finanças nas empresas estatais, decorrente do aumento de custos das obras. A ciranda da corrupção não tem fim, porque há aprisionamento de beneficiários do suborno às garras de quem deseja lucros inacreditáveis nos contratos com o governo, mesmo que isso implique miséria, ignorância e atraso da coletividade.
As celebrações de Natal desencadeiam, às vezes, conflito no ambiente familiar, porque parentes malquistos estão à mesma mesa. Muxoxos e trocas de farpas fomentam mágoas antigas, especialmente quando a desigualdade financeira alia-se ao descaso ou à mesquinharia na escolha dos presentes. Isso macula o sentido da dádiva, que precisa permanecer imune à avareza, à inveja e ao orgulho.
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