Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

O mundo lá fora

Abra a janela, ninguém para te dar bom-dia, levando o cachorro para passear, aquela vizinha intrometida, que, de esquina em esquina, parava pra conversar.

Por Laura Medioli
Publicado em 20 de junho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Domingo, chuva fina na calçada... Há dois meses não me sento nesta cadeira para escrever. 
Minha alegria foi pega de surpresa, quase que intimada a ficar calada. Quem me lê aqui sabe do meu estilo de ser e escrever: assuntos leves com uma pitada de humor.
 
Mas como fazer isso quando o mundo está caindo e você falando de borboletas, cachorrinhos atrapalhados, poesias com vinho e violão? Esquece! O mundo lá fora agora é outro.
 
Você não está vendo na televisão? Fique em casa. Esqueça lá fora, entre para dentro do quarto, da sala, da cozinha... de você mesma...! Esqueça as caminhadas entre árvores, crianças e passarinhos...
O papo descontraído no café com os amigos... Quer ver a rua? Abra a janela, ninguém para te dar bom-dia, levando o cachorro para passear, aquela vizinha intrometida, que, de esquina em esquina, parava pra conversar. Esquece! Quer fugir de notícias ruins?
 
Desligue a TV, leia um livro, vá fazer cursos online e, por favor, na hora do home office, não fique de camisola, cabelo despenteado, cumpra o seu ritual. Vista roupas confortáveis, passe o seu batom, precisamos de cor e leveza.
 
Google tudo que é possível, aproveite o tempo para aprender aquela receita saborosa, recheada de bombas calóricas. Dane-se! O mundo caindo, e você comendo folhas com suco detox? Que se dane também a balança!
 
Aproveite para arrumar armários, aquelas bagunças eternas que sempre deixamos para depois. O depois é agora! Suba na cadeira, pendure-se nas prateleiras, encha um saco de coisas e penduricalhos para o bazar do Natal, mesmo na incerteza de que ele ocorrerá. As coisas têm de circular. Você, há dois meses dentro de casa, descobre, enfim, que já não precisa mais delas. O essencial muda de endereço.
 
Ligue para os amigos, para os colegas de trabalho, não deixe irmãos e pais de fora, ponha na agenda de sua mente: “ligar mamãe, hoje, amanhã, depois, mais de uma vez ao dia se necessário for”.
 
Ocupe o tempo dela com boas sugestões de filmes, peça a ela para dar um tempo nos noticiários fúnebres, que a deixam pra baixo, preocupada com o mundo e com os filhos distantes, já na idade do grupo de risco.
 
Sou a única dentre os quatro irmãos a ter permissão de visitá-los. Faço as compras da casa, higienizo latas de palmito, vidros de maionese, batata por batata, álcool nas embalagens, sacolinhas de plástico que deixo em quarentena, antes de virarem saquinhos de lixo. O cuidado ali é redobrado.
 
Depois, retorno à minha casa, deixando os sapatos na porta. Novas atitudes que vão se tornando rotina.
Queria ler os milhões de livros que me aguardam na prateleira. Assim como parei de escrever, também parei de ler. Cadê a vontade? A inspiração?
Será que ficou tudo lá fora?
 
Crônica escrita no final de maio, após dois meses de quarentena

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