Faz frio. Lembra-se de quando era menino e a mãe, na madrugada, levantava-se para cobri-lo com beijos e cobertores.
Apesar do desconforto, no fundo, gostava de adoecer; aquela gripe encomendada que vinha de mãos dadas com a chuva, em que ele, junto aos amigos, teimava em deixar-se ficar. A mãe chamava da janela já pressentindo o previsível:
– Vem, meu filho! Sai daí, senão adoece!
E o menino ficava, ficava tanto que acabava adoecendo de verdade. Primeiro, aquela secura na garganta, medo de engolir e vir a dor, depois, o nariz espirrando, a tosse incômoda, as fincadas, os olhos lacrimejantes e a febre a lhe esquentar o corpo. Suportava tudo quietinho, pois bastava a presença da mãe para as dores se desfazerem. Chegava com o chá quente – chá de limão-capeta, como gostava de dizer – acompanhado de torradinhas e maçãs cozidas. Um lenço molhado de álcool para cobrir e aquecer a garganta, um beijo na testa, um afago nos cabelos e a expressão preocupada com a temperatura, que não baixava.
Chegava em silêncio, como se sua presença fosse despertá-lo da lassidão febril. Com seu incondicional amor, ultrapassando os limites do quarto, da casa, do espaço finito, chegando até Nossa Senhora (mãe feito ela) em silêncio, com fervor, pedindo por ele, por seu menino ardido em febre.
– É só uma gripe! – pensava o garoto.
– Caprichos! – dizia o irmão, ressabiado.
– Logo passa! – deduzia o pai, despreocupado.
O que não sabiam é que, em cabeça de mãe, as coisas funcionam de maneira diferente; às vezes, a racionalidade vai embora, deixando espaço somente às emoções.
– Em cabeça de mãe, tirar bicho-de-pé é cirurgia – tentava explicar a tia, que, embora nunca tivesse gerado um filho, tomou os sobrinhos emprestados para ocupar seu coração.
Até que, depois de tantos zelos, rezas e remédios, a febre se debandava, deixando ao menino as doces lembranças dos cuidados maternais.
Não que eles deixassem de existir. Permaneciam ali, de soslaio, espreitando numa eterna vigília, presentes nas orações e nos bons fluidos... Só não eram tão urgentes e requisitados.
Lá fora, o vento assovia, despertando-o de seus devaneios.
Lembra-se do pai, que se foi, sereno feito passarinho, foi-se dormindo...
Pensa no irmão, que, com a cara e a coragem, partiu para o mundo. Na tia querida, quase mãe. Um pouco enigmática... Talvez por ter se enredado pelos caminhos da solidão. Também se foi, sem suspiros e sem alardes, como se compreendesse e aceitasse o fato de que sua vida terrena tivesse sido apenas uma rápida passagem, sem ter tido tempo e disposição para esperar colheitas. Também como passarinho, voou.
A janela se abre com o vento, gélido como seu coração. Desta vez, não deseja adoecer como quando era criança. Não quer tomar chuva... sentir calafrios... garganta doída... febre... nada disso! Sabe que a mãe não mais entrará por sua porta, equilibrando nas mãos um chá quente de limão-capeta. Não virá com seu sorriso doce, tentando disfarçar a preocupação. Não lhe beijará as faces rubras nem se sentará a seu lado por uma inteira e extensa noite.
Fecha a janela correndo, temeroso do que o vento lhe possa trazer.
Deita-se na cama, e, de repente, como nunca sentiu antes, algo estranho lhe aquece a alma. Permanece ali, extasiando-se com as sensações. A emoção grita, mas não o desperta de seu enlevo. Sente a presença dela, forte, envolvente em seu imensurável amor. Amor que ultrapassou fronteiras, mundos, vida, morte, não sabe definir bem o quê.
Protegido em sua plenitude, sente-se como se estivesse num sonho em que anjos luminosos e querubins zelosos o acompanham, e ela, numa intensa vigília, guiada pelo instinto, o guarda.
E depois, materializando-se, abraça-o com força, não para curar doenças, mas para curá-lo da dor da ausência e da enorme saudade que deixou.
Neste domingo, a minha homenagem a todas as mães. As que estão presentes em nossas vidas e aquelas que se foram, tão e para sempre presentes em nossos corações.
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