Laura Medioli

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Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Vai passar

Pois é, difícil imaginar que a Itália, sempre tão alegre e pulsante, esteja passando por esses momentos adversos

Por Laura Medioli
Publicado em 08 de março de 2020 | 03:30
 
 
 
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Recebo no grupo de WhatsApp da família a seguinte mensagem de meu cunhado italiano: “Aqui tudo bem, embora tenha um clima estranho na cidade. Há duas semanas, as escolas estão fechadas no Norte e, na próxima, todas do país também se fecharão. As manifestações esportivas acontecem sem espectadores, inclusive os jogos de futebol. Cinemas e teatros fechados. Restaurantes abertos, mas praticamente vazios. Parece estarmos num filme de ficção. Não acredito que as coisas poderão se resolver em pouco tempo. Espero que sim...”

Pois é, difícil imaginar que a Itália, sempre tão alegre e pulsante, esteja passando por esses momentos adversos. Assim feito o meu cunhado, espero que logo, logo ela volte a ser o país festivo, acolhedor e repleto de turistas como sempre foi. Que em Veneza os gondoleiros voltem a cantar a plenos pulmões as suas belas canções. Que os estádios de futebol tenham de volta os seus apaixonados “tifosi”. Que a algazarra das crianças retorne às praças e às escolas.

Impressionante como um vírus, um quase nada, invisível aos olhos, possa causar tantas mudanças, não apenas na Itália, mas em praticamente todos os países do planeta, inclusive no Brasil. Mudanças de comportamento, mudanças na economia, na saúde pública, no turismo...

Lembro-me do último verão que passei na Itália com a família. Busquei em minhas anotações (registro todas as minhas andanças em detalhes) a viagem de trem que fizemos para a praia e que aqui reporto em parte.

Através dos vidros das janelas, a paisagem desfila diante de meus olhos. Um bando de amigos entra sorridente, e um casal de namorados adormece. O homem ao lado não se desliga do celular, enquanto me distraio observando esse pequeno universo no interior de um vagão.

Adoro as paisagens, assim como adoro observar as pessoas que se alojam nas poltronas. Tenho um bom livro, mas prefiro me ocupar com as histórias dos passageiros que crio na minha cabeça. No caminho de Gênova são muitos os túneis e muitas as estações. As garotas que entraram comigo não param de falar e de rir – tudo ao mesmo tempo. O namorado acorda e sai do assento da frente para sentar-se ao lado da namorada, que, desperta, entretinha-se com o celular. Ela deixa o aparelho de lado, e, conversando baixinho, trocam carinhos.

Mais uma estação, entram cinco rapazes e três garotas que, pedindo licença, se sentam ao meu lado. Pelas vestes, irão todos “al mare”, assim como eu, num percurso de duas horas.

Estação de S. Stefano. Mais jovens entram a bordo, falantes e sorridentes com suas mochilas e trajes irreverentes. É início de férias escolares e universitárias na Itália. Embriagada por essa overdose de juventude, me divirto.

Outra estação numa cidadezinha chamada Vezzano. Mais jovens pulam para dentro, num falatório e risos típicos dos italianos. A alegria deles contagia. A garota ao meu lado tem as unhas pintadas, cada uma de uma cor. Veste um short e usa botas compridas de couro. Não entendi a lógica, num calor de 38°C; mas nessa idade tudo é permitido.

Passamos em frente a um cemitério. Cemitérios italianos são um espetáculo à parte... Vejo que essa cidade é grande, algumas casas despontam no verde das colinas. Imagino essa paisagem no inverno, com sua beleza sóbria e imaculada na luminosidade do branco.

Passamos por La Spezia, onde há uma grande estação. De repente, uma multidão invade o nosso trem. Trabalhadores, mães com crianças, japoneses com suas máquinas digitais, imigrantes africanos e suas roupas coloridas, freiras com seus hábitos negros, uma confusão multirracial que encanta os meus olhos e a minha mente.

A partir daí as pessoas viajam de pé, carregando bolsas, sacolas e garrafas de água. De repente, a paisagem muda. Do alto de uma colina, vejo o mar da Ligúria, cercado por rochas. Monterosso era o próximo destino, onde eu e uma centena de jovens desembarcamos. Bastava atravessar a rua para se chegar ao mar. E o ar quente da manhã nos convidava para um “dolce far niente”.

Penso no verão que lá se aproxima, com o mesmo trem cumprindo seus horários e itinerários. Os vagões ocupados pelo medo, vazios de risos, jovens e turistas. Saudosa dessa viagem, pretendo repeti-la no próximo ano. Quero voltar à Itália pulsante e acolhedora, porque tenho certeza de que, assim como o trem, o medo vai passar.

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