O Natal não é apenas uma pausa, tempo para o encontro festivo com familiares e amigos ao redor da celebração do “Puer aeternus”, o nascimento de Deus sob a forma humana. A antropologia cristã afirma que o ser humano só será plenamente humano se a Última Realidade, Deus, se fizer também humana. Ensinavam os padres antigos que “Deus se fez homem para que o homem se fizesse Deus”. Por trás está a compreensão, também dos modernos, de que o ser humano é movido por um desejo infinito que somente descansa quando identifica, em seu processo de individuação, uma realidade igualmente infinita a ele adequada. É a experiência de santo Agostino do “cor inquietum” (o coração inquieto), que só se aquieta quando encontra o infinito desejado.
Esse dia maior possui também um significado antropológico: reforça valores e sonhos que nos sustentam por toda a vida, sonhos de paz, reconciliação, solidariedade e amor. O ano que entra promete ser carregado de tensões e até de violências no mundo e no Brasil.
No mundo há o risco de dois líderes, o presidente norte-americano e o chefe político da Coreia do Norte, perderem o sentido da vida humana e a responsabilidade pela Casa Comum e deslancharem uma guerra nuclear que pode pôr em risco a biosfera e a civilização humana. Não se pode brincar com a autodestruição que nossa civilização irracionalmente criou.
Não devemos esquecer também os lugares de grande periculosidade para nosso futuro: no Oriente Médio, a questão palestina nunca resolvida e agora agravada pela intervenção do presidente Donald Trump ao declarar Jerusalém capital do Estado de Israel.
Seria insensibilidade demasiada não nos referirmos aos milhões de famintos do mundo, especialmente na África. É tanto mais doloroso quando temos consciência de que poderíamos evitá-lo totalmente, pois dispomos de condições tecnológicas e financeiras para oferecer a cada um dos habitantes do planeta uma vida suficiente e decente. Não o fazemos porque ainda não sentimos o outro como um coigual, um irmão e uma irmã na curta passagem pela Terra. Não temos vontade ético-política e humanitária. Predominam o individualismo e o egocentrismo dentro da lógica da concorrência sem os sinais específicos que nos fazem humanos: a solidariedade.
Vivemos, em termos globais, a clara percepção de uma ruptura civilizatória: assim como o mundo se organiza não pode continuar, pois nos levará a um caminho sem retorno. Vale repetir o que disse Bauman em sua última entrevista: “Estamos (mais do que nunca antes na história) em uma situação de verdadeiro dilema: ou nos damos as mãos, ou nos juntamos ao cortejo fúnebre de nosso próprio enterro em uma mesma e colossal vala comum”.
No Brasil, vivemos desde 2016 tempos de grande desamparo e desesperança pela deposição até hoje questionada, dando lugar a um Estado de exceção, com políticas sociais restritivas de direitos conquistados pelo mundo do trabalho e pelos mais vulneráveis, à revelia de preceitos constitucionais.
Temos esperança de que o sofrimento coletivo não será em vão. Como diz um provérbio francês: “Réculer pour mieux sauter” (“Recuar para saltar melhor”). Seguramente, sairemos desta crise melhores, com um projeto de nação mais fundacional e soberano.
Essa é uma tarefa não apenas deste momento crucial, mas diuturna, consoante as sábias palavras de Goethe no “Fausto”: “Só ganha sua liberdade e a existência aquele que diariamente as reconquista”.
Estes são meus votos para 2018.