A questão indígena é um problema que nunca foi equacionado nas políticas públicas brasileiras. Grande parte tem sido exterminada desde o tempo da colonização e hoje compõe apenas 0,4% da população, o que equivale a 817 mil pessoas, constituindo 300 povos. Vivem muito concentrados em apenas 200 municípios entre os mais de 5.000 existentes no Brasil. Eles praticamente não contam. Só a partir de 1991 começaram a entrar no Censo do IBGE.
A questão tornou-se aguda, como sempre foi, neste ano, com o assassinato de Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, um guarani-kaiowá de 26 anos e agente de saúde, morto à bala na fazenda Yvu, em Caarapó, a 273 km de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Outros cinco membros da comunidade foram feridos, entre eles um menino de 12 anos. Cerca de 200 camionetas e carros cercaram as tendas dos indígenas, que fizeram uma “retomada”, como eles dizem, de terras que lhes pertenciam desde sempre. Chegaram e foram logo atirando balas de borracha e balas letais.
Os guaranis-kaiowás viviam na região desde tempos imemoriais, mas a partir de 1882 começaram a ser expulsos para dar lugar ao plantio de erva-mate. Posteriormente, o governo começou a vender as terras, com o intuito de criar fazendas para plantio de soja e criação de gado. Os indígenas ficaram reclusos em oito pequenas áreas. À medida que a população crescia, sentiram-se forçados a sair. Aí começou a ganhar força a ideia de retomar as terras que sempre foram deles. Criou-se um conflito perigoso entre os novos proprietários e os indígenas.
Ocorreram vários embates. Especialmente Mato Grosso do Sul foi cenário de várias mortes. O que ocorreu em Caarapó é a continuação dos embates por terras que o governo tarda em demarcar. Apenas um terço das terras está demarcada, outro terço se encontra em estudo, e a última parte nem sequer entrou ainda na agenda.
Mas a decisão dos indígenas é clara: “Nosso futuro depende de nosso território, nossa terra. A gente pretende fazer cada vez mais retomadas porque estamos cansados da demora do governo brasileiro em demarcar nossa terra. Tomamos uma posição e decidimos que essa é nossa única saída”, diz Gomes, a liderança indígena da área onde está a fazenda Yvu.
Há uma questão malcolocada por parte do governo que torna complexa a demarcação e é fonte de permanentes conflitos. Pela legislação, os indígenas não integrados são tidos como relativamente incapazes. Eles não possuem direito de propriedade privada sobre as terras demarcadas, consideradas coletivas e tuteladas pela Funai. Ademais, a Constituição proíbe a comercialização dessas terras.
Caso tivessem esse direito, poderiam ter outra relação com os latifundiários, que, sabendo que os indígenas não são proprietários, invadem suas terras para o plantio da soja ou a criação de gado. Mais prudente seria considerá-los adultos e entregar títulos de propriedade privada da terra a que os povos indígenas têm direito.
A ausência de uma solução definitiva para esses povos originários gera neles imenso sofrimento, insegurança e até desespero. Há um número significativo de suicídios. O organismo da Igreja que trabalha a questão indígena, o Cimi, computou, na última estatística de 2014, um suicídio a cada três dias. A mortalidade infantil é altíssima. Em 2014, 785 crianças até a idade de 5 anos morreram por doenças evitáveis. Isso nos faz lembrar a denúncia feita por missionários que publicaram o impressionante documento “Y-Juca-Pirama – O índio: aquele que deve morrer”. Ele guarda permanente atualidade e traduz a situação atual dos povos originários de nosso país.
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Cansados da demora do governo em demarcar suas terras
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