MÁRCIO COIMBRA

Desmonte ético

O Brasil de 2013 pedia por mudanças que estão longe do desmonte ético que enxergamos em tempos recentes. Ao reinventar o passado, se torna refém de seus próprios fantasmas


Publicado em 07 de setembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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O Brasil que surgia nas manifestações de 2013 pedia mudança. A pauta era difusa e confusa. Na esteira daqueles movimentos surgia o desgaste do modelo dual entre tucanos e petistas, que se repetiria pelo menos mais uma vez, em 2014. Era o começo do fim do ciclo político de 30 anos batizado de Nova República.

A operação Lava Jato surge dentre deste contexto e encontra apoio na sociedade ao desnudar o modelo podre e corrupto que se escondia nos bastidores dos governos petistas. A discussão da moralidade pública e da renovação na política havia entrado na pauta nacional e aquele que soubesse aproveitar o embalo desta onda teria enormes chances de chegar ao Planalto.

Em 2020, apenas quatro anos após o impeachment que retirou o petismo do poder e provocou a mais profunda renovação do parlamento em 30 anos, os retrocessos são cristalinos. Ao assistir um desmonte ético de suas instituições, o país pouco se parece com o ideal de renovação desenhado pelas manifestações populares que tomavam as ruas exigindo mudanças profundas poucos anos atrás.

Adversários políticos perseguidos, operações anticorrupção desmanteladas, iniciativas éticas sabotadas, líderes rifados e a lealdade valendo mais como moeda de troca do que moralidade. O mergulho em mecanismos autocráticos parece ser cada vez mais uma incômoda realidade destes novos tempos.

Neste novo contexto, realidades que pareciam sepultadas ressurgem das profundezas da conveniência política, como modelos assistencialistas, clientelistas, paternalistas, responsáveis por um novo modelo de populismo. Isto ocorre na mesma medida que são engavetadas propostas de cunho liberal que poderiam finalmente libertar o povo brasileiro de sua recorrente dependência do governo e dos políticos.

Ao reinventar o passado, o Brasil se torna refém de seus próprios fantasmas e armadilhas que já parecia ter superado, como o uso do patriotismo como argumento, da perseguição política como instrumento e até da censura como método. Uma democracia consolidada jamais poderia seria usada de forma tão decadente.

Sabemos como as democracias morrem. Não importa se o mecanismo transita pela direita ou esquerda. O método é o mesmo. Os mais perigosos regimes autoritários e autocráticos chegaram ao poder pelo voto e lá sem mantiveram, desde o nazismo e o fascismo até os recentes governos neopopulistas latino-americanos. Ao enfraquecer instituições críticas, seja na política, imprensa ou mesmo judiciário, os meios se abrem para a passagem de líderes que podem subverter a liberdade.

O Brasil de 2013 pedia por mudanças que estão longe do desmonte ético que enxergamos em tempos recentes. Nosso país precisa fazer uma opção séria diante deste dilema que assombra nosso presente com crenças do passado. É preciso superar os dogmas e crenças que nos prendem a métodos e líderes decadentes que somente sabem reinventar nossas piores experiências. O Brasil precisa mudar de verdade. Do contrário será refém de um círculo vicioso que nos torna reféns de nosso próprio atraso.

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