MARCUS PESTANA

Reforma e sistema eleitoral

As recentes decisões sobre a cláusula de barreira e o fundo partidário jogaram um pouco de água fria no ímpeto reformador.

Por MARCUS PESTANA
Publicado em 20 de março de 2007 | 00:01
 
 
 
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Muito se tem dito e discutido sobre a necessidade de uma profunda reforma política. Isto tem a ver com as condições de governabilidade, com a consolidação da democracia brasileira, com o fortalecimento do sistema partidário e com o grau de controle e partição social no processo decisório.

As recentes decisões sobre a cláusula de barreira e o fundo partidário jogaram um pouco de água fria no ímpeto reformador. O Congresso parece disposto a votar, ainda em 2007, as mudanças tão desejadas.

É agora ou nunca. Ano que vem teremos eleições municipais e não será conveniente mexer nas regras do jogo. Ocorre que, quando a discussão se inicia, um efeito paralisante vem a tona. Todo mundo é a favor da reforma política, mas cada um tem seu modelo na cabeça e, como disse o grande escritor, "o diabo mora no detalhe".

Cada ator isoladamente faz seus cálculos políticos, temores conservadores se agitam, vantagens e desvantagens são medidas e acaba prevalecendo o "vamos deixar ficar com está, pra ver como é que fica".

A crise do mensalão e a constante fragilidade na sustentação congressual do projeto majoritário, no entanto, colocam de forma inequívoca a necessidade de um verdadeiro salto de qualidade nas regras do jogo que regem nossa democracia.

Todos somos a favor da fidelidade partidária, de regras melhores para o financiamento da atividade política e de maior controle da sociedade sobre os mandatos. Mas há uma enorme distância entre intenções e gestos. Prevalecem as manifestações retóricas sobre as ações concretas de mudança.

Mas não tenhamos dúvida: as mudanças são necessárias e a raiz de tudo está no sistema eleitoral. Acabamos de sair de uma eleição. Elegemos pela quinta vez, após o fim do regime autoritário, o presidente da República. Renovamos o Congresso, os governos e as casas parlamentares estaduais.

Tudo dentro de um clima de liberdade e amadurecimento, com todos podendo participar ativamente das escolhas em relação ao futuro do país. Ponto para a democracia brasileira. Foi uma eleição fria, sem dúvida, com a população desconfiada após tantos escândalos.

Mas nunca houve tanta liberdade na história brasileira. No entanto, o produto final do processo de decisão coletivo fica sempre aquém das necessidades.

E o problema está nas regras do sistema eleitoral que transferem o conflito para dentro dos partidos, enfraquecendo sua solidariedade interna, e impedem a sociedade de controlar, com transparência e nitidez, os mandatos conquistados nas urnas.

Financiamento público de campanha ou fidelidade partidária são impossíveis com os fundamentos que ancoram o atual sistema eleitoral. Para que o processo de mudanças prossiga, duas convicções se fazem necessárias:

a) não há sistema de representação perfeito; e

b) estamos no pior dos mundos com o atual voto proporcional nominal. O ideal é que tivéssemos uma sociedade avançada, esclarecida, bem formada e informada, decidindo diretamente todas as questões essenciais sobre o seu futuro.

Mas sabemos que, mesmo com os mais modernos instrumentos de comunicação de massa e Internet, isto é impossível. Daí a necessidade do sistema representativo. E qualquer caminho de intermediação política comporta distorções, falhas e desvios.

A tarefa é minimizar os problemas, de forma que a representação política reflita, o mais fielmente possível, os sentimentos e desejos da base da sociedade. Não há, em nenhuma parte do mundo, sistema representativo perfeito.

Mas o sistema eleitoral brasileiro carrega vícios e distorções que alimentam permanentes crises e dificultam a população acompanhar o processo decisório.

O princípio da representatividade pressupõe que os mandatários estejam amarrados, de alguma forma, à fonte original do poder a eles concedido " a sociedade. Quanto aos cargos majoritários, nenhum problema.

Com a introdução do processo de eleição em dois turnos, presidentes, governadores e prefeitos de grandes cidades são investidos de grande legitimidade a partir de uma ampla discussão eleitoral e programática e têm seus mandatos controlados pelas casas legislativas, pela mídia, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pela sociedade civil organizada.

Já em relação aos parlamentares, o voto proporcional nominal aberto territorialmente leva a que o mandato paire num ambiente difuso e abstrato, sem sólidos vínculos territoriais ou programáticos.

Não faz o menor sentido um candidato a deputado estadual ou federal em Minas Gerais disputar individualmente o voto de 13 milhões de mineiros.

É desumano e irracional para o candidato, favorece sobremaneira o poderio econômico, desloca o combate para dentro dos partidos ou coligações (que deveriam ser extintas para as eleições proporcionais) e, principalmente, impedem que a sociedade erga mecanismos claros de acompanhamento, controle e avaliação do mandato.

Embora existam deputados com claro perfil distrital, a regra do jogo atual tende a valorizar o esforço, o poder ou talento individual, resultando em uma concepção de mandato assemelhada a uma procuração em branco ou a um espaço de poder pessoal e não coletivo.

Ou não foi isso que pensaram sanguessugas e mensaleiros" Ou os que trocam de partido poucos meses após as eleições" Temos de discutir uma mudança profunda na gênese dos mandatos parlamentares.

Precisamos amarrar a representação no território (voto distrital) ou no programa partidário (voto em lista), ou ainda em uma experiência mista (voto distrital misto). A única coisa que não pode sobreviver é a atual sistemática, que tantas distorções tem produzido.

Deputado estadual (PSDB/MG)

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