MURILO ROCHA

Unilateral e vertical

Redação O Tempo


Publicado em 28 de abril de 2017 | 04:30
 
 
 
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A reforma trabalhista aprovada ontem na Câmara é questionável sob vários aspectos – vale a leitura dos ótimos artigos de Laura Carvalho, na “Folha de S.Paulo”, e de Manuel V. Gómez, no “El País” –, mas, deixando de lado por ora o mérito, chama atenção todo o contexto da aprovação dessa espécie de desmonte profundo da legislação atual para a criação de outra.

O primeiro ponto é óbvio: um presidente sem votos, impopular, ligado a setores conservadores do país e com um mandato de menos de dois anos e meio, não poderia (ou não deveria) ser autorizado a promover mudanças tão radicais para o país. Michel Temer (PMDB) parece governar de algum lugar muito distante do Brasil. Não à toa, se inspirou (ou melhor, copiou mesmo) no modelo da reforma trabalhista espanhola, como bem explica Gómez no artigo citado anteriormente.

Mas o ímpeto do presidente em aprovar esse projeto, assim como a reforma da Previdência, além de ser um desejo pessoal, é uma espécie de dívida de gratidão, uma fatura a ser paga ao empresariado brasileiro. Temer só chegou à Presidência graças ao pacto firmado entre parte do poder político nacional e o mercado. O presidente, assim como boa parte da Câmara dos Deputados, representa justamente os setores mais privilegiados da sociedade. De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), na atual Câmara, cerca de 65% dos deputados se declaram empresários ou ruralistas.

É preciso ter esse cenário em mente para compreender os principais pontos da nova legislação trabalhista. A reforma aprovada é unilateral e vertical porque foi pensada e debatida apenas por uma parte da sociedade e imposta de cima para baixo. Ou, nas palavras do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), agora desafeto do Planalto, foi imposta “goela abaixo” da população brasileira.

Na prática, a reforma dá mais poder aos donos do poder. Ela enfraquece o elo já mais fraco na cadeia produtiva. É como se Estado e, consequentemente, as leis desse Estado se omitissem em seu papel de mediação na relação entre empregador e empregado. O presidente está dizendo algo como “entendam-se entre vocês, nós não vamos nos meter mais”.

Não há dúvida de quem sairá perdendo nessa batalha entre Davi e Golias. Como também não há dúvida sobre a necessidade de modernização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sobre o excesso de sindicatos no Brasil e o peleguismo de muitos deles, sobre as contradições da Justiça do Trabalho... Mas nada disso justifica, ou deveria justificar, a confecção da reforma trabalhista nos moldes propostos pelo governo Temer. Há uma precarização explícita das relações de trabalho – a diminuição dos salários será uma consequência imediata – e uma demonização proposital do trabalhador disposto a reivindicar seus direitos. Continuamos nossa marcha à ré.

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