
As peças não param de se mexer no tabuleiro global
Como as eleições têm acentuado diferenças entre EUA e China
Os primeiros passos de Trump rumo à Casa Branca em 2016 foram marcados por um teor crítico à condução da política exterior dos EUA em relação à China. A fórmula que havia dado certo no passado foi novamente utilizada no pleito de 2020: além de apontar a responsabilidade dos chineses na crise da Covid-19, o presidente ainda rotulou o seu adversário, Biden, como um político subserviente aos anseios de Pequim.
Do ponto de vista eleitoral, o discurso “anti-China” não foi suficiente para a reconduzir Trump ao comando do país. Depois da recontagem dos votos em Estados importantes e da apreciação de ações judiciais sobre a matéria, a vitória democrata parece cada vez mais consolidada. Diante de uma vantagem de cerca de 6 milhões de votos e de uma plausível vitória no colégio eleitoral, torna-se cada vez mais certo quem será o presidente a tomar posse em 20 de janeiro de 2021.
A reação da China à alternância de poder nos EUA já pode ser observada. O esforço do presidente Xi Jinping é, antes mesmo do início do novo governo, apresentar-se como líder do multilateralismo global. Há poucos dias, um grupo de 15 países da região Ásia-Pacífico assinou um volumoso acordo de livre comércio, incluindo importantes economias. Juntos, os países signatários da Parceria Econômica Regional Abrangente – ou RCEP, na sigla em inglês – concentram cerca de 30% do PIB e da população mundial.
O acordo vem sendo construído há quase uma década, mas ganhou fôlego nos últimos anos a partir da negativa norte-americana de compor uma estrutura ampla de livre comércio – o Acordo Trans-Pacífico de Cooperação Econômica (TPP) – pensada pelo ex-presidente Obama, mas que encontrou oposição por parte de seu sucessor.
Ainda sob a condução do presidente Trump, o Departamento de Estado divulgou na última semana um documento oficial de mais de 70 páginas no qual acusa a China de querer “revisar a ordem global, mantendo suas metas autoritárias e a sua aspiração hegemônica”. Nesse sentido, a diplomacia dos EUA se apresenta como opositora de uma mudança sistêmica que tenha os chineses como referência de novos valores que coloquem em xeque os princípios desenvolvidos na segunda metade do século XX, como, por exemplo, liberdade individual e democracia.
O contexto geopolítico que se estabelece a partir da tensão entre Washington e Pequim é um desafio que deverá ser enfrentado por Biden. Além de herdar uma crise econômica interna, agudizada pelo quadro da pandemia, o novo presidente deverá lidar com o equilíbrio global que impõe aos EUA a necessidade de se afirmar como líder. Biden enquanto vice-presidente no governo Obama, foi defensor de que se estabelecessem relações comerciais profícuas entre os EUA e a Ásia.
É importante ressaltar que, ao longo de sua campanha presidencial, o democrata defendeu que os EUA retomassem as negociações do TPP, que havia sido abortado pelo presidente Trump. Antes mesmo que o novo presidente pudesse agir como forma de reaver a liderança americana na Ásia, os chineses já traçaram uma nova estratégia que organiza as relações comerciais asiáticas sem a forte presença americana na região.
Em um país ideologicamente dividido pelo processo eleitoral e que já se prepara para vivenciar uma segunda onda de pandemia não será tarefa fácil para Biden equilibrar suas propostas de campanha com a necessidade norte-americana de se manter como expoente da ordem global do século XXI.

