Paulo César de Oliveira

Caminho do retrocesso

Quem protege a sociedade de quem deveria estar na cadeia?


Publicado em 12 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Decisão judicial não é para ser discutida, é para ser cumprida. É o que dizem, há muitos e muitos anos. Mas não é bem assim. Há decisões que precisam ser discutidas à exaustão, até que se encontre solução para os problemas que ela cria. A última do Supremo Tibunal Federal (STF), de proibir a prisão de réus após condenação em segunda instância, é uma delas. Suas consequências, não apenas no que diz respeito ao esforço de combate à corrupção, mas também à busca da retomada da economia, são, ainda, incalculáveis.

Retroceder em decisão já consolidada causa insegurança jurídica. Para o ex-ministro Carlos Velloso, que presidiu o Supremo entre 1999 e 2001, a decisão tem que ser respeitada, mas, sem dúvida, não é a que melhor serve aos interesses nacionais. Representa mesmo um retrocesso, pois a prisão de réus por condenação em segunda instância não é novidade no país. Aliás, até os anos 70, o culpado por homicídio era preso já na condenação em primeira instância, regra mudada para atender a necessidade de se proteger o então delegado Sérgio Fleury, acusado de barbaridades na repressão política. Agora, muda-se a prática para atender Lula. “Tem sempre uma personalidade envolvida nessas mudanças”, destaca Velloso.

A primeira e grave consequência do novo posicionamento do Supremo é a radicalização da política. Lula e o presidente Bolsonaro, para ficar apenas nos dois, protagonizaram debates deprimentes, que servem apenas para atiçar a ira dos xiitas de cada grupo. E isso, num momento em que o país busca realizar as reformas necessárias, é um desserviço. Vamos paralisar os trabalhos do Congresso para discutir propostas de modificações na Constituição para atender casos específicos.

Propostas casuísticas, elaboradas às pressas de acordo com a velha prática brasileira de que, se a lei não atende os interesses do grupo dominante, muda-se a lei. Vamos mudar e esperar. Esperar por um novo julgamento do Supremo. Ou alguém duvida de que a PEC que estabelece a prisão sem segunda instância, se aprovada, como parece que será, vai ser contestada judicialmente? Nós nos preocupamos com a defesa dos réus, mas, em casos de prática de corrupção por agentes políticos, a vítima é a sociedade. E quem protege a sociedade contra a ação nefasta de quem deveria estar na cadeia, pagando por seus erros?

A hora, convenhamos, é grave. Crises, todos sabemos como começam, mas é impossível prever como terminam. O que mais precisamos é, exatamente, aquilo que de mais carecemos: juízo e habilidade política. O país não pode ser paralisado por essa discussão, muito embora a questão tenha alta relevância. Se tivermos bom senso, buscaremos o diálogo que nos leve a uma discussão séria e de alto nível quanto a uma revisão da Constituição. Nada de mudanças radicais. Temos um bom texto constitucional, que tem alguns excessos. Com a maturidade necessária, faremos os enxugamentos necessários. Mas a questão é saber se há disposição daqueles que já estão sobre o palanque de descer ao chão para o diálogo.

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