PAULO DINIZ

Didática do poder

Em maio último, o noticiário internacional foi dominado pelas imagens de mais um conflito entre Israel e o Hamas


Publicado em 20 de julho de 2021 | 06:00
 
 
 
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Em maio último, o noticiário internacional foi dominado pelas imagens de mais um conflito entre Israel e o Hamas, organização palestina que controla a Faixa de Gaza. Centenas de mísseis foram disparados contra as cidades israelenses, e, contra cada um desses, o sistema de defesa, batizado Cúpula de Ferro, direcionava dez pequenos foguetes defensivos que perseguiam e neutralizavam a ameaça com cerca de 90% de sucesso.

As notícias de interesse agora são políticas e podem gerar ainda mais impacto sobre a região. O governo de Benjamin Netanyahu, ininterrupto desde 2009, teve fim em junho, encerrando também um longo impasse político que levou os eleitores israelenses às urnas em quatro ocasiões nos últimos dois anos.

O sistema político israelense, parlamentarismo clássico, tem como diferencial o pequeno número de componentes do Legislativo: 120 são os integrantes da única câmara. Com tal estrutura política, sobreposta a uma sociedade multifacetada, a dificuldade para formar uma coalizão majoritária e, assim, compor um governo é sempre grande. O posicionamento de cada deputado faz muita diferença, principalmente porque os partidos políticos dificilmente conseguem construir grandes bancadas sozinhos. Sempre que não há acordo para a formação de uma maioria que indique o primeiro ministro, procede-se a uma nova eleição para recompor o Legislativo.

Não há registro de um impasse como o que marcou os últimos dois anos: foram duas eleições em 2019, uma em 2020 e uma em 2021, sem que a composição do Parlamento mudasse muito ou que os partidos chegassem a acordo. A mudança ocorreu apenas com a surpreendente adesão dos deputados que representam a minoria árabe-israelense à plataforma da direita nacionalista, formando a “maioria mínima” de 61 membros na bancada governista.

Pela primeira vez, um governo israelense tem a participação dos deputados árabes, um fato marcante devido à conjuntura atual: a retirada dos quatro deputados árabes da coalizão governista significa o fim imediato do novo governo. Mesmo não assumindo diretamente o comando de nenhum ministério, a posição dos árabes-israelenses é de muito poder.

E como esse poder inédito vem sendo exercido? Com foco preciso em recursos e políticas públicas: o orçamento destinado a melhorias nas comunidades árabes foi dobrado, chegando a US$ 10 bilhões, e a autarquia governamental dedicada a projetos habitacionais para os beduínos do Neguev – um importante grupo árabe – foi transferida do Ministério da Economia para o da Assistência Social, onde pode ser controlada pelos novos integrantes do governo.

Por mais que o status legal dos árabe-israelenses seja muito diferente daquele dos palestinos, uma vez que os primeiros podem votar e ter uma vida regular em Israel, os laços que unem essas duas populações são muito fortes. O apoio à causa palestina sempre foi marcante, apesar de o apelo à violência não ser comum. A nova conjuntura política, assim, pode isolar ainda mais o Hamas, indicando que a violência é o recurso dos fracos.

 

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