Comecei a lecionar política em 2007, para o público predominantemente jovem dos primeiros semestres do ensino universitário. A tarefa era árdua, pois os calouros de então ainda reproduziam a mentalidade vigente no país no passado: política, futebol e religião não eram assuntos para discussão, pois envolvem escolhas íntimas e podiam levar a conflitos. Era preciso ocupar as primeiras semanas letivas com a tarefa de convencer e motivar as turmas para o estudo da política – correndo o risco de exagerar no entusiasmo e ganhar apenas a desconfiança dos discentes.
O tempo mudou, e muito, esse quadro. Já não é mais preciso convencer ninguém de que o estudo da política é importante – ao contrário, a tarefa preparatória hoje consiste em conter os ânimos, para que todos sigam no ritmo adequado a sequência de temas previstos para o semestre. Nesse sentido, houve nítida e bem-vinda evolução.
Porém, não há somente motivos para comemorar: a qualidade do debate político que se construiu nos últimos anos foi muito marcada pela dinâmica das redes sociais – a saber: rápida, superficial, agressiva e dominada pelo império das aparências. Dessa forma, dizer que os jovens de hoje gostam de se envolver com política é, na verdade, um exercício de otimismo. Sendo mais preciso, o ideal seria afirmar que o interesse geral hoje se concentra nos memes sobre política – e não necessariamente na política em si.
Produzir, reproduzir ou simplesmente compartilhar tiradas rápidas sobre algum tema político é a dinâmica que ganhou força na década de 2010, contaminando mesmo os debates e entrevistas presenciais. Tais conversas se tornaram duelos, em estilo pinga-fogo, com troca acelerada de informações irrelevantes sobre temas importantes. Não interessam as propostas, mas sim invalidar o argumento do adversário com algum dado histórico ou estatístico de importância ínfima – exceções que confirmariam a regra, em contextos normais.
Cuba, Suécia, Coreia do Norte, Chile, Estados Unidos ou mesmo o Brasil Imperial: o diálogo pula de caso em caso, de um exemplo obscuro para outro, com a rapidez de um mosquito em restaurante de comida a quilo. A troca só tem fim quando uma das partes tropeça em alguma data, sobrenome desconhecido ou em outra desimportância. O vencedor desse triste embate tem seu desempenho editado em um vídeo de menos de um minuto, com efeitos musicais e gráficos adicionados, que passa a ser compartilhado milhares de vezes – algo que venceu as barreiras etárias e dominou a linguagem política de toda a sociedade.
Esse simulacro de política, que não representa ninguém ou defende qualquer pauta, já elegeu deputados estaduais, federais, vereadores e prefeitos Brasil afora. A ausência de conteúdo e de realizações pode fazer com que muitos desses não se reelejam em 2022. Em um cenário mais sombrio, poderemos ver uma nova safra de memes políticos chegando ao poder. A resposta a dilema virá também da internet: afinal, por quanto tempo permanece popular uma piada da qual já se riu no passado?