O país atônito assistiu à desautorização pública de Bolsonaro ao projeto do ministro da Economia Paulo Guedes. O que era uma hipótese tornou-se realidade. O presidente não concordou com a proposta, vazada à imprensa, para o programa Renda Brasil e suspendeu seu lançamento, às vésperas do encaminhamento ao Congresso do Projeto da Lei Orçamentária para 2021. A razão política venceu a insensibilidade técnica.

A divergência, contudo, é mais profunda e expõe à luz do dia a maneira como o presidente administra – ou não administra. A escolha de Paulo Guedes, um economista liberal na versão mais rude da teoria neoclássica, recrutado no setor financeiro privado, sem experiência na gestão pública, foi para avalizar durante a campanha seu compromisso com a economia de mercado e fazer o contraponto às gestões do PSDB e do PT, às quais imputou a pecha de “socialistas”.

É esdrúxula a combinação de liberalismo na economia e conservadorismo nos costumes. As ameaças à liberdade de expressão, a aversão à diversidade e os ímpetos autoritários, entre tantos outros exemplos de rejeição à liberdade e à democracia, não coadunam com o liberalismo na sua concepção mais ampla de liberdade individual.

De fato, as iniciativas efetivamente liberais na economia nunca prosperaram. A reforma da Previdência Social era um projeto que vinha das administrações anteriores. A novidade liberal seria a capitalização, que caiu no Congresso. O programa agressivo de privatizações encalhou – tanto que seu responsável, Salim Mattar, deixou o barco. Ao contrário, foi criada mais uma estatal, no âmbito do ministério da Defesa. Pode-se dizer que havia um liberalismo de ocasião, usado pelo presidente quando oportuno. Aliás, quando deputado, Bolsonaro nunca apoiou projetos liberais. Sempre representou interesses corporativos e defendeu valores conservadores.

Bolsonaro não governa com seus ministros, usa-os quando lhe convém. Não mantém com eles relações de confiança e parceria, necessárias no funcionamento de equipe. Quando não mais atendem suas vontades os descarta, como fez com Moro e Mandetta. Não é a gestão que lhe motiva, mas sim a campanha eleitoral, o desejo de renovar seu mandato em 2022.

Na economia, seu intuito é recuperar o crescimento rapidamente, sem estratégia, baseado no sonho de reprise do governo Geisel, usando investimentos públicos em grandes obras e na ampliação do programa Renda Brasil, com valores superiores ao do Bolsa Família, para consolidar sua aceitação nas camadas mais populares. Liberalismo não rima com populismo.
Economia de mercado, responsabilidade fiscal, reforma administrativa e eficiência do Estado são empecilhos para a consecução dos objetivos do presidente. Guedes até poderá continuar ministro, mas o liberalismo morre, melancolicamente, “sem foguete, sem retrato e sem bilhete”, como cantaria Noel Rosa.