PAULO PAIVA

Pacto do sertão

No sertão, as normas são do passado, não há espaço para o novo. Adeus, “nova política; adeus, combate à corrupção


Publicado em 01 de maio de 2020 | 03:00
 
 
 
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Os eventos recentes em Brasília causam perplexidade e medo. Vai o país passar pelos penosos tempos de Collor e Dilma? Há risco de um novo AI-5? Como a crise política afetará o controle da pandemia e a recuperação da economia?

Para entender alianças, acordos e desacordos que estão ocorrendo na capital da República, recorro ao estudo de Judith Martins-Costa, que analisa como a justiça se fazia no sertão na época do “Grande Sertão: Veredas”, publicado no livro organizado por José Roberto de Castro Neves, “O que os Grandes Livros Ensinam sobre Justiça”.

Fundamental é entender a dicotomia contrato-pacto. O primeiro, objeto da sociedade do direito, do respeito às leis e da equidade entre as partes, e o segundo, vigente na sociedade dos costumes, onde acordos se cumprem unicamente por força de seus protagonistas, quase sempre partes desiguais, onde não há a quem recorrer. Como disse Guimarães Rosa: “no sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias”.

Brasília está no sertão e é o espaço onde convivem as duas formas de acordos. É a capital do país, onde estão os Poderes da República e tudo deve ser decidido nos conformes da lei; mas é também o centro dos arranjos políticos, dos seus pactos, regidos pelas regras próprias do sertão. É hoje, simultaneamente, o lócus das grandes decisões nacionais, da misantropia crescente, do que é insocial, e dos costumes políticos que insistem em não desaparecer.

O conflito entre o presidente Bolsonaro e o ex-ministro Moro é o desfecho de uma morte anunciada. Na formação de sua equipe, Bolsonaro procurava personalidades insignes, sem vinculação com a “velha política” para compor sua equipe. O então juiz da Lava Jato aceitou o convite em condições especiais, conforme disse, porque recebeu carta-branca para exercer uma função técnica. Ledo engano. A função de ministro é, por excelência, política, sujeita às leis do direito e do sertão. Em meados do ano passado, Bolsonaro reafirmou publicamente seu compromisso assumido com Moro para indicá-lo à próxima vaga do STF. Era um pacto de sujeição firmado sob as “leis” dos costumes.

Moro desconhecia política e os pactos existentes, como o do clã Bolsonaro, que, efetivamente, determina os objetivos e as ações do presidente. Expelido do governo porque não contribuía com os desejos do clã, sua estratégia – então, foi denunciar seu pacto com o presidente, publicamente, ainda no exercício do cargo de ministro, para buscar o amparo da lei, na esfera dos contratos, não dos pactos.

Mas pactos são pactos e são muitos. O pacto do clã levou Bolsonaro a uma nova aliança, o pacto-aliança com os líderes do centrão, da “velha” política. No sertão, as normas são do passado, não há espaço para o novo. Adeus, “nova” política; adeus, combate à corrupção.

Bem havia nos ensinado Riobaldo: “no centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!”.

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