

Paulo Paiva
Professor associado da Fundação Dom Cabral, Paulo Paiva escreve às sextas-feiras
Política e proparoxítonas
Na linguagem parlamentar, autonomia não é sinônimo de independência, mas significa ter poder para convencer o governo nos momentos críticos
Recentemente, Chico Buarque de Hollanda contou que, em um belo dia e sem avisar, João Cabral de Melo Neto chegou à sua casa para conversar sobre política e sobre sua canção então recém-lançada, “Construção”. O compositor ficou intrigado, pois o poeta pernambucano declaradamente detestava música. No entanto, para sua surpresa, João Cabral foi lhe dizer que gostou das rimas com proparoxítonas nos seus versos.
Surpresas são muito comuns em política, onde predominam a simbologia, o duplo sentido e a acepção alternativa das palavras. Nas próximas semanas, as atenções dos políticos estarão voltadas para as negociações, as alianças e os resultados das eleições para as mesas no Congresso Nacional.
É preciso cuidado para entender a encenação. Não pense que acordos serão válidos para votações futuras, nem que o centrão faça algum sentido fora do Congresso, muito mesmo para as eleições de 2022. Alianças congressuais são simplesmente esdrúxulas.
Como o poeta, eu também gosto das palavras proparoxítonas, pois são sonoras e expressivas. Hoje em dia, uma delas, “hermenêutica”, está em moda na Suprema Corte. Em seu nome a conjunção “e” já foi transvestida em “ou”, e o “não” quase se tornou “sim”.
Uso o método hermenêutico para interpretar o discurso teleológico da linguagem e da semiótica política. Vejam a força das proparoxítonas. Sem elas, ingenuamente, eu poderia acreditar que qualquer aliança partidária visaria a objetivos futuros e asseguraria acordo para 2022. Qual o quê. Há de se compreender o simbólico, a dialética entre o presente e o futuro, que é a essência da teleologia.
Sigamos. À vista dos espectadores, há duas candidaturas postas para presidente da Câmara, uma com apoio de Bolsonaro, considerada governista, e outra, liderada por Rodrigo Maia – para uns, entendida como independente, e, para outros, como oposicionista. Seria fácil prever o resultado final, se a política fosse como aparenta, entretanto, o aparente é fantástico.
Na linguagem parlamentar, autonomia não é sinônimo de independência, mas significa ter poder para convencer o governo nos momentos críticos. “Não” jamais é “não”. “Não” é “convença-me”. E “convencer” é “vencer com palavras” – quiçá – ‘ou com benesses” (quase sempre). “Sim”, também, não é “sim”. “Sim” é “talvez”. E, lembre-se, são permitidas candidaturas avulsas, que, certamente, serão registradas até o dia da eleição.
Fidelidade não existe no vocabulário político. Se dita demais, pode-se saber que se trata de traição. Não há fidelidade partidária que supere o sublime prazer da traição, garantida no segredo da urna.
Contados os votos, virá a última surpresa. Candidato que hoje exibe ampla aliança, atônito, poderá cair feito um pacote flácido e agonizar no passeio público, atrapalhando o tráfego. E o deputado anônimo, como um príncipe, poderá dançar e gargalhar, ouvindo música.
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