Por vezes, é difícil compreender o fascínio que o futebol exerce. E buscar resultados de torneios ou jogos aleatórios, que fogem completamente da realidade que vivenciamos do esporte, é um prato cheio para entender porque essa modalidade arrebata milhões. Esse é um exercício de completo desprendimento, porque a qualidade do jogo não é o objetivo, muito menos o meio ou o fim. E é quando muito falta que outros elementos do futebol sobram. A entrega, a raça, a união de um grupo e a luta, muitas vezes, de uma nação.
Nas atuais datas Fifa que estamos presenciando, eu poderia analisar o desempenho de tantas grandes seleções que vêm executando grandes projetos de reestruturação: a Inglaterra de Gareth Southgate e seus garotos, como Callum Hudson-Odoi, ou a Holanda de Ronald Koeman, a Espanha de Luis Enrique, a Itália de Roberto Mancini e Moise Kean, a Alemanha do golaço de Gnabry, e ainda os tropeços da Argentina de Messi e o vexame do Brasil frente ao modesto Panamá.
Mas as grandes histórias das seleções que vêm entrando em campo nestes dias estão na África. O continente esquecido resiste em campo a uma de suas maiores tragédias nos últimos anos. A contagem de mortes provocadas pelo ciclone Idai é superior a 700 vítimas, um rastro de destruição que sacudiu Moçambique, Zimbábue e Malaui. E, em meio a esse cenário, foram definidos os 24 classificados à Copa Africana de Nações, que acontecerá em Julho, no Egito.
Moçambique e Malaui não estarão lá, mas o Zimbábue, sim. A vitória sobre o Congo ontem, por 2 a 0, é a síntese do orgulho nacional e também da passionalidade que o futebol gera. Um torcedor acabou morto em uma confusão fora do estádio Nacional, em Harare, antes da partida. Relatos dão conta que vários torcedores forçaram a entrada no espaço. Dentro de campo, Khama Billiat e Knowledge Musona, dois jogadores que atuam no futebol sul-africano, balançaram as redes e colocaram o Zimbábue na segunda disputa seguida do torneio continental, um feito que transformou-se em homenagem às vítimas do ciclone Idai.
Um fim de semana onde a África também viu Burundi classificar-se à sua primeira Copa Africana de Nações, ao segurar um empate heroico por 1 a 1 com o Gabão de Aubameyang, atacante do Arsenal que retornou à seleção de seu país, mas que não pode evitar a eliminação. A África, que foi do choro ao êxtase da Namíbia, que, após ser atropelada pela Zâmbia por 4 a 1, viveu momentos de tensão até que Guiné Bissau arrancou um empate justamente com a concorrente Moçambique, um dos países mais atingidos pelo Idai, por 2 a 2, e garantiu os vizinhos goleados no torneio continental. Um grito de resistência em um continente onde os olhares do mundo mantêm-se cerrados. O futebol, em sua simplicidade, também sutura a dor.