JOSIAS PEREIRA

#TBT: Há 3 anos, o Leicester protagonizava maior conto de fadas do futebol

A história do futebol é cercada por momentos mágicos, mas a façanha dos Foxes redefiniu o conceito da palavra épico


Publicado em 02 de maio de 2019 | 12:07
 
 
 
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Ao visualizarmos a lista histórica de campeões ingleses na era Premier League, uma equipe irá para sempre destoar do perfil robusto dos gigantes times da Terra da Rainha. Certo que lá está o Blackburn Rovers, vencedor em 1994-95, um time que contava com recursos na ocasião e que jpa vinha flertando com a taça nas temporadas passadas. Todavia, o feito obtido pelo Leicester City na temporada 2015/2016 em um período histórico de domínio financeiro do chamado "Big 6" inglês (Manchester City, Manchester United, Tottenham, Arsenal, Liverpool e Chelsea) torna a conquista épica.

A maior glória da pequena cidade de Leicester, com seus mais de 300 mil habitantes e que até pouco antes era conhecida mais por suas ilustres figuras como os músicos John Deacon, baixista e um dos compositores do Queen, e Jon Lord, do Deep Purple, Madeleine McCann,a garotinha britânica que despareceu em Portugal e os escritores C.P. Snow e Sue Townsend. 

Há exatos três anos, no dia 2 de maio de 2016, os Foxes comemoravam a façanha após um empate entre Chelsea e Tottenham por 2 a 2. Um desfecho iminaginável no maior conto de fadas que o futebol presenciou neste século. As probabilidades apontavam em 5 mil para uml no time comandado por Cláudio Ranieri, italiano que mesmo renomado, nunca conseguiu emplacar um trabalho que levasse uma de suas equipes a um título nacional e vinha em baixa.

Na pespectiva do papel, o Leicester era um time candidatíssimo ao descenso. Mas, pouco a pouco, o jogo foi virando, trazendo à tona personagens ainda mais impressionantes. O operário Jamie Vardy, o artilheiro daquela conquista, era um jogador que há pouco tempo estava na sétima divisão e virou a aposta do Leicester após ser o artilheiro da quinta divisão com o modesto Fleetwood Town, com 31 gols em 36 jogos.

Para contar com o atleta, os Foxes investiram 1 milhão de libras. Hoje, o valor de mercado de Vardy, de acordo com o Transfermarkt, está em 20 milhões de euros. 

As voltas que o mundo dá... 

Um time que tinha Kanté, destaque que o Leicester foi buscar lá no Caen, da França, por 5,5 milhões de euros e o alçou a um dos maiores jogadores do mundo, negociado com o Chelsea logo após o título da Premier League por 30 milhões de libras (R$ 130 milhões, na cotação da época). 

Um time de Kasper Schmeichel, Riyad Mahrez, Danny Drikwater, Shinji Okazaki, Robert Huth, Wes Morgan e outras tantas peças que formaram um esquadrão para sempre imortalizado como a maior história do futebol mundial no presente século. A cinderela de Leicester, que com um investimento considerado modesto para os padrões do futebol inglês (180 milhões de libras) do falecido bilionário tailandês Vichai Srivaddhanaprabha vislumbrou a glória em três anos e meio e o fez. 

Ness percurso, o susto de 2014, quando o time flertou com o descenso na Premier League mesmo tendo um elenco recheado de experiência com nomes como o veterano Esteban Cambiasso, foi fundamental para pegar "cancha", e impulsionar o Leicester ao objetivo audacioso de seu dono, tragicamente vitimado em um acidente de helicóptero ao lado do estádio do time.

A carta de Ranieri após a conquista é um clássico e merece sempre ser lida para lembrar que o futebol, apesar do poderio dos gigantes, é também o palco para os Davis, 

"Eu me lembro do primeiro encontro com o presidente, logo que cheguei ao Leicester City neste verão. Ele sentou comigo e disse: “Claudio, este é um ano muito importante para o clube. É muito importante que continuemos na Premier League. Não podemos cair!” Minha resposta foi: “Ok, claro. Trabalharemos forte nos treinamentos e tentaremos conquistar isso.”

Quarenta pontos. Esse era o objetivo. Esse era o tanto que precisávamos para ficar na primeira divisão. Para dar aos nossos torcedores outra temporada de Premier League. Na época, eu nem sonhava que poderia abrir o jornal do dia 4 de abril e ver o Leicester no topo da tabela, com 69 pontos. Ano passado, nesse mesmo dia, o clube estava na última posição.

Inacreditável.

Eu tenho 64 anos, não costumo sair muito. Estou com minha esposa há 40, então, nos dias de folga, procuro ficar com ela. Costumamos ir ao lago perto de casa ou, se estivermos em um momento aventureiro, assistimos a um filme. Entretanto, ultimamente, tenho, de fato, escutado o barulho que vem de todas as partes do mundo. É impossível ignorar. Ouvi até que nós temos alguns seguidores na América.

Para vocês, eu digo: bem-vindos ao clube. Estamos felizes em tê-los. Quero que vocês gostem da forma como jogamos futebol e quero que ame meus jogadores, pois a jornada deles é inacreditável.

Talvez vocês já tenham escutado alguns nomes. Jogadores que eram considerados tão pequenos ou tão lentos para outros grandes clubes. N’Golo Kanté. Jamie Vardy. Wes Morgan. Danny Drinkwater. Riyad Mahrez. Quando cheguei para o meu primeiro dia de treino e vi a qualidade desses jogadores, entendi quão bons eles poderiam ser.

Bem, sabia que teríamos uma chance de sobreviver na Premier League.

Esse tal de Kanté, ele corria tanto que pensei que tinha baterias debaixo de seus shorts. Nos treinamentos, ele não parava nunca.

Tive que dizer para ele: “Ei, N’Golo, vai com calma. Calma lá. Não corra na frente da bola o tempo todo, ok?”

Ele me respondeu: “Sim, chefe. Sim. Ok.”

Dez segundos depois, olhei e lá estava ele correndo de novo.

Eu disse a ele: “Um dia, vou vê-lo cruzando uma bola e você mesmo finalizando seu próprio cruzamento, com uma cabeçada.”

Ele é inacreditável, mas não é nosso único segredo. Temos tantos pontos fortes para nomear nesta incrível temporada.

Jamie Vardy, por exemplo. Ele não é um jogador de futebol. É um cavalo fantástico. Ele precisa estar livre no campo. Eu digo para ele: “Você é livre para se mover para onde quiser, mas precisa nos ajudar quando perdemos a bola. Isso é tudo o que te peço. Se você começar a pressionar o adversário, todos os seus companheiros vão te acompanhar.”

Antes de jogarmos nossa primeira partida da temporada, eu disse aos jogadores: “Quero que vocês joguem por seus companheiros. Somos um time pequeno, então temos que lutar com todo nosso coração, com toda nossa alma! Não me importo com o nome do adversário. Tudo o que quero é que vocês lutem! Se eles são melhores que nós, Ok. Parabéns para eles. Mas eles terão de nos mostrar que são melhores.”

Existia uma eletricidade fantástica em Leicester desde o primeiro dia. Começava com o presidente e passava pelos jogadores, pelo staff, pelos torcedores. Foi inacreditável o que senti. No King Power Stadium existia uma energia incrível.

Os torcedores cantam quando nós temos a bola? Ah, não, não, não. Quando estamos sob pressão, os fãs entendem nossa dor e cantam com seus corações! Eles entendem a complexidade do jogo e quando os jogadores estão sofrendo. Eles são muito, muito próximos a nós.

Iniciamos a temporada muito bem. Mas nosso objetivo, repito, era salvar o clube do rebaixamento. Nos primeiros nove jogos, estávamos ganhando, mas sofríamos muitos gols. Tínhamos que marcar dois ou três para ganhar todo jogo. Isso me preocupava muito. Antes de todo jogo, eu dizia: “Vamos lá, pessoal! Quero um clean sheet [jogo sem levar gols] hoje.” Nenhum clean sheet. Tentei todo tipo de motivação.

Então, finalmente, antes do jogo contra o Crystal Palace, eu disse: “Vamos lá, pessoal! Pago uma pizza se vocês conseguirem não sofrer gol hoje.”

Obviamente, meus jogadores conseguiram o clean sheet contra o Crystal Palace. Um a zero. Cumpri com minha promessa e levei meus jogadores ao Peter Pizzeria, na Leicester City Square. Mas guardei uma surpresa para quando eles chegassem lá. Falei: “Vocês têm trabalhado por tudo. Vocês vão trabalhar por suas pizzas também. Nós mesmos a faremos.” Fomos para a cozinha com a massa, o queijo e o molho. Fizemos tudo. Estava muito bom, também. Comi várias fatias. O que posso dizer? Sou italiano. Eu amo minha pizza e minha massa!

Agora, temos um monte de jogos sem sofrer gols. Na verdade, uma dúzia de clean sheets depois da pizza. Não acredito que seja coincidência.

Faltam seis jogos e temos que continuar lutando com nossos corações e nossas almas. É um clube pequeno que está mostrando ao mundo o que pode ser conquistado com espírito e determinação. Vinte e seis jogadores. Vinte e seis cérebros diferentes. Mas um só coração. Alguns anos atrás, muitos dos meus jogadores estavam em ligas menores. Vardy trabalhava em uma fábrica. Kanté jogava na terceira divisão francesa. Mahrez estava na quarta divisão da França.

Agora, estamos lutando por um título. Os torcedores do Leicester que encontro nas ruas dizem que eles estão sonhando. Mas digo a eles: “Ok, sonhem por nós. Nós não sonhamos. Nós simplesmente trabalhamos pesado.”

Não importa o que aconteça no fim desta temporada, penso que nossa história é importante para todos os fãs de futebol em todo o mundo. Isso dá esperança para todos os jovens jogadores que já escutaram que não são bons o suficiente.

Eles podem dizer para eles mesmos: “Como posso chegar ao topo? Se Vardy conseguiu, se Kanté conseguiu, talvez eu também consiga.”

Do que você precisa?

Um grande nome? Não.

Um grande contrato? Não.

Você precisa apenas manter a mente aberta, o coração aberto, as baterias recarregadas e correr livre.

Quem sabe? Talvez, ao final da temporada, nós teremos duas festas da pizza"

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