Desde que o mundo é mundo, existe a tal da “zoação” entre crianças e adolescentes. Acho que a maior parte das pessoas já ouviu ou repetiu essa frase em algum momento da vida. Gerações e gerações forjadas no sofrimento, engolindo o choro e tentando se encaixar em uma sociedade que repele qualquer diferença. Eu sei que esta coluna é sobre negritude, mas incluo no texto de hoje qualquer forma de discriminação. Peço esta licença poética por causa de um caso recente ocorrido em uma escola de BH. Em resumo, meninas estão sendo expostas com a produção de falsos nudes delas e distribuição entre colegas.

O caso chama atenção pelo uso de novas tecnologias, que traz uma dificuldade maior para lidar com a situação, mas uma coisa precisa ser dita: mudam os meios, mas no centro das humilhações estão sempre os mesmos grupos. Desta vez, mais uma vez estão mulheres. 

Obviamente, em uma sociedade racista, o marcador racial é um dos mais excludentes, e isso precisa ser levado em conta sempre. Mas hoje vamos fazer uma reflexão mais ampla, porque o machismo também exclui, mata e limita. E, mesmo depois de tanta luta, o feminino ainda é usado como forma de inferiorizar. Se pensarmos que os meninos envolvidos no caso são apenas adolescentes, não é errado inferir que eles estejam replicando um modelo visto em algum lugar.

Em algum contexto, seja em casa, na escola, no futebol, na rua ou onde for, eles têm recebido a mensagem de que podem fazer o que bem entenderem com as mulheres. Acho que, independentemente do meio usado para esse ataque, é um ponto que preocupa porque mostra pouca evolução social neste sentido. Meu Deus do céu, gente: quando nossos filhos vão aprender a respeitar o outro? E onde estamos falhando enquanto pais, tios, avós, sociedade? 

Alguém pode argumentar que são apenas meninos em formação e que isso não representa nada mais do que uma brincadeira. Aí eu proponho olharmos para as gerações que já saíram da escola. E pergunto: quais rumos tomaram aqueles seus colegas de sala que foram excluídos? E os que excluíam? 

Eu sei que a palavra “excluído” bate forte e dá uma sensação de que não vivenciamos isso na prática. No dicionário, o sinônimo para ela seria “posto de fora”. Nos jogos estudantis, havia aqueles colegas que não eram escolhidos para nenhum time? Nas festas, existiam os que nunca eram convidados? Na divisão da sala em grupos para trabalhos conjuntos, alguém sobrava sem companhia? Alguns tinham receio de ir a determinados locais porque corriam riscos, inclusive, físicos? Levando o conceito ao “pé da letra”, não seriam eles excluídos?

Talvez com essas perguntas você tenha se identificado como a vítima ou até se visto no lugar de quem segrega. As justificativas para as pessoas passarem por esse tipo de situação são várias, mas a principal delas é o preconceito. A lista é enorme: racismo, homofobia, machismo, gordofobia e por aí vai. Fato é que nenhum tipo de bullying surge sem contexto. Ele é, de certo modo, validado por uma sociedade que divide o mundo entre certo ou errado, aceitável ou inaceitável, bonito ou feio. Da mesma forma que não nascem “do nada”, essas exclusões também não morrem da noite para o dia. 

E aqui podemos fazer a ponte com o agora. As mesmas meninas que passaram por uma série de situações por causa do machismo antes sofrem os resquícios dele em casa, na rua e no trabalho hoje. Estão por aí assumindo filhos sozinhas, ganhando menos nos empregos ou até se anulando. Da mesma forma, aqueles adolescentes que não foram ensinados a respeitar as mulheres talvez ainda estejam replicando esse comportamento agora. Eles estão por toda parte, e alguns deles são responsáveis por educar descendentes.

Olha o ciclo se repetindo eternamente. Sabe aquela menina negra da sua sala que nunca era escolhida para ser a atriz principal do teatro ou que era deixada de lado em várias situações? Também, certamente, está tentando ser vista como igual e passando por outras discriminações. Viu como não é um caso isolado e localizado? É por isso que não podemos mais aceitar determinadas situações. O caso de um colégio não é problema unicamente daqueles pais. É meu, seu, nosso.