Minha primeira coluna neste jornal teve o título “A tarifa mais alta do mundo”. Era janeiro de 2016, e a Prefeitura de Belo Horizonte aumentava o preço da passagem de ônibus como se troca de roupa. Os aumentos foram repletos de irregularidades, e até hoje não houve quem fosse capaz de explicar como o sistema Move, que reduziu custos no sistema, mas foi utilizado como justificativa para aumentos.
A situação do transporte coletivo na cidade já era muito ruim, com fuga de usuários. O título da coluna não era gratuito: um estudo dos economistas Samy Dana e Leonardo Lima mostrava que Belo Horizonte, entre diversas cidades do mundo, tinha a maior tarifa de ônibus proporcionalmente aos salários.
De lá para cá, a situação piorou mais. Sem investimentos em subsídios nem melhorias significativas do transporte coletivo, os usuários têm migrado para veículo particular ou transporte sob demanda, como a Uber. Essa migração gera grande impacto no trânsito, acidentes e poluição, como apontei em outro artigo neste jornal.
Um estudo recente feito pela associação das empresas de ônibus quantifica a perda de passageiros do transporte coletivo no Brasil: 50% entre 1994 e 2017. Os empresários de ônibus são engraçados – se não fizessem tanto lobby para aumentar desproporcionalmente as tarifas, não estariam assistindo à fuga em massa de usuários.
Os impactos no trânsito já estão sendo sentidos. Uma avaliação feita pelo Observatório da Mobilidade Urbana de BH apontou que a velocidade média do transporte coletivo está em queda livre – de 16 km/h, em 2015, para 14,5 km/h, em 2018.
O aumento da poluição do ar é outro problema, com graves impactos na saúde coletiva. A quantidade enorme de carros nas ruas aumenta também a poluição sonora, congestiona os espaços e contribui para degradar a vida do pedestre.
Esse é o lado perverso do modelo do automóvel que o transporte sob demanda potencializa: os benefícios são individuais (comodidade, velocidade) mas os prejuízos são coletivos (poluição, acidentes, trânsito). O transporte coletivo, a bicicleta e o deslocamento a pé, por outro lado, geram benefícios coletivos.
A situação demanda atuação em duas frentes: de um lado, desestímulo ao uso de automóveis, com redução de vagas, aumento do preço dos estacionamentos, taxação dos aplicativos; de outro, incentivo ao transporte coletivo e modos não motorizados, com redução da tarifa, melhoria das frotas (feito timidamente pela gestão atual em Belo Horizonte), criação de corredores exclusivos, ciclovias e bicicletários, melhorias na segurança pública.
Nessa linha estão as sugestões do Observatório da Mobilidade Urbana, que defende a implantação imediata das faixas exclusivas, que têm baixo custo e geram resultados significativos. Apenas 4,65% dos ônibus em Belo Horizonte circulam por alguma faixa exclusiva, enquanto o restante compartilha pistas com automóveis – situação injusta, já que os ônibus, no espaço de dois carros, transportam 20 vezes mais pessoas.
O grupo defende também a criação do fundo de subsídio à tarifa, fundamental para reverter o círculo vicioso em curso. Afinal, a tarifa de ônibus em BH segue no topo dos rankings. O valor de R$ 4,50 é maior do que o que se paga em São Paulo, onde os salários são maiores. Um estudo feito pelo Tarifa Zero BH, com metodologia reconhecida e profissionais de experiência, mostrou que a tarifa correta deveria ser R$ 3,45.
A prefeitura tem a faca e o queijo nas mãos. As sugestões do observatório estão amparadas pelo Plano de Mobilidade Urbana recém-aprovado e pela Lei Nacional de Mobilidade Urbana. Cidades que tiveram coragem de implementar políticas efetivas de melhoria da mobilidade urbana (corredores exclusivos, ciclovias, bicicletários, subsídio à tarifa) hoje colhem resultados de um trânsito melhor. BH terá coragem?
Três anos e meio após a primeira coluna, encerro minha participação neste espaço. Agradeço a toda a equipe do jornal, aos leitores e às pessoas que batalham por cidades mais justas. Sigo ativo no e-mail (robertoandres@gmail.com), Facebook e Twitter.