Nos últimos dias perdi duas referências em minha vida: o engenheiro Haroldo Vinagre Brasil e o sociólogo Otávio Soares Dulci. Deveria fazer uso destas linhas para trazer ao leitor aspectos marcantes da vida de pessoas tão notáveis como eles. Não o farei e tenho certeza de que ambos entenderiam minhas razões.

Os tempos são sombrios. É preciso denunciar a possibilidade de vitória do fascismo. Lamentavelmente, a maioria dos que votaram no candidato social-liberal à Presidência da República desconhece o fato de Adolf Hitler ter chegado ao governo da Alemanha após o partido nazista ter vencido as eleições de janeiro de 1933 com 44% dos votos. Hitler enfureceu-se, aliás, por não ter conseguido a maioria absoluta: assim, poderia governar sozinho. Afinal, empenhara-se bem no papel de cordeiro para convencer amplos contingentes populacionais, destroçados pela crise econômica de 1929, desorientados pela falta de um horizonte político de bem-aventuranças, atemorizados pela ameaça dos bodes expiatórios criados, havia uma década, pelos nazistas. Mas obteve amplos poderes executivos ainda no final de março de 1933. O poder total viria em agosto de 1934.

Hitler difundiu a imagem do político que varreria (sempre a vassoura) a Alemanha de toda a sujeira que assolava o país: comunistas, judeus, ciganos, homossexuais, artistas degenerados, deficientes físicos e mentais. Apresentou-se como o homem incorruptível, embora tenha aceitado de bom grado as generosas contribuições financeiras dos grandes conglomerados econômicos germânicos para trucidar os esquerdistas que criavam obstáculos a sua sanha de lucros.

Por outro lado, fascistas manipulam imagens a seu bel-prazer. Eu mesma sofro a difusão da minha, há quatro anos, pelas redes sociais, em memes deturpadores que dizem “quem vota no PT é idiota”. Jamais disse isso. É próprio dos fascistas a manipulação da verdade. Eles têm em Goebbels o grande mestre na arte da prestidigitação. Pois então, no dia 28, serei idiota: votarei no PT. Quem me lê sabe, à saciedade, o quanto denuncio os equívocos inomináveis desse partido. Dele fui fundadora. A ele dediquei os melhores anos de minha vida. Ninguém pode avaliar o quanto me dói ter visto seus descaminhos. Mas não me omitirei. Sei avaliar o que é pior para meu país. Enquanto eu puder falar, direi que os arautos das trevas poderão afundar o Brasil ainda mais.

Por isso, defendo que formemos uma ampla coalização de liberais a esquerdistas, passando por ecologistas e defensores de direitos humanos, para evitar que o mal maior prevaleça. Gostaria, sinceramente, de ver FHC, Ciro e Marina, pelas ruas, apesar de suas legítimas críticas ao PT, engrossando as vozes dos que dizem “Ele, não”.

Talvez não me restem mais muitos anos de vida. Mas levarei comigo, quando chamada a partilhar saborosas conversas com meus amigos Haroldo e Otávio, a certeza de não guardar nenhum remorso como o que se abateu sobre Günter Grass, que, em sua autobiografia, anotou arrependido e angustiado: “Calei-me quando deveria ter falado”.