Há em Belo Horizonte, em frente ao quartel do Comando da IV Região Militar, precisamente na avenida Raja Gabaglia, no bairro Gutierrez, um monumento que, certamente, passa despercebido a muitos transeuntes. Nele estão três bustos, em homenagem àqueles que a historiografia considera os heróis da batalha de Guararapes: o mazombo (luso-brasileiro) Vidal de Negreiros, o negro Henrique Dias e o índio potiguar Felipe Camarão. Naquele conflito, ocorrido em 1649, as forças lideradas por esses combatentes iniciaram a expulsão dos holandeses que ocupavam o território de Pernambuco.

O Exército cultua-os como fundadores da nacionalidade brasileira. Causou-me estranheza, portanto, que um general que postula a vice-Presidência da República refira-se a negros e índios brasileiros com expressões pejorativas: aqueles, afetos à malandragem; estes, devotados à malemolência.

Custa-me crer que as teorias de supremacia racial do conde Arthur de Gobineau tenham guarida nas academias militares brasileiras. Por outro lado, parece-me desnecessário falar do quilate intelectual de negros como André Rebouças, Teodoro Sampaio, Pedro Lessa, Lima Barreto, Milton Santos, Joana D’Arc Félix e tantos outros. A propósito: o mundo debruça-se, hoje, sobre a riqueza literária de um negro brasileiro chamado Machado de Assis.

Quanto aos índios, bem sabe o general, por exemplo, que as pesquisas mais avançadas na área de biotecnologia recorrem, abusadamente, aos conhecimentos milenares das populações indígenas brasileiras. Só no que diz respeito ao Exército, é bom lembrar que os exercícios de guerra cibernética entre nós valem-se de nossas línguas indígenas para a criptografia de mensagens. Ou o que falar da inveja dos Navy Seals ou dos Army Rangers, tropas da elite militar norte-americana, quanto às técnicas de guerrilha desenvolvidas no Centro de Instrução na Selva, em Manaus, com base em práticas de índios da Amazônia?

O militar em questão crê no papel tutelar das Forças Armadas sobre o processo político. Não é o caso de discutir aqui a influência do positivismo, mas vejo em suas opiniões forte tendência a soluções autoritárias, em nome da ordem, para todos, e do progresso, só para alguns. Busco resposta para sua visão preconceituosa de nossa nacionalidade nas palavras de um estudioso da ditadura de Augusto Pinochet, o filósofo chileno Rodrigo Karmy Bolton. Para ele, o “fascismo deve inventar inimigos: o ‘outro’ aparece como o delinquente que, sendo quase sempre de classe baixa, imigrante, pobre e marginal, ameaça o caráter sagrado da propriedade. Produz-se, assim, não mais o medo da era clássica (Hobbes), mas o terror como uma paixão cotidiana que, por sua vez, implementa a exceção cotidiana”.

É a manipulação midiática desse terror como paixão cotidiana que leva ao sucesso do “líder”. Encontra terreno fértil entre aqueles que pouco se recolhem para refletir. E como escreveu Leonardo Padura em “Hereges”, “o processo de manipular as massas e trazer à baila seus piores instintos é mais fácil de explorar do que se costuma pensar”.