Mãe 1
Ela diz que está morta por dentro.
Ela perdeu o filho. Ele tinha nove meses. Ninguém pôde conhecê-lo. Só ela. Só ela teve esse privilégio, porque ele, que ela agora chama de anjo, viveu esses nove meses dentro dela.
Ele tinha roupinhas, brinquedinhos, quartinho, nome e um futuro que ela tinha desenhado para ele. Tinha irmãos também, caninos. Três. Ele não pôde usufruir de nada disso. Só desfrutou do amor dela por ele, durante nove meses. O amor mais puro, um amor jamais experimentado por ela.
Ela, que hoje diz estar morta por dentro, nunca esteve tão viva durante aqueles nove meses. Vinte e um quilos a mais, uma barriga enorme e um orgulho estampado no rosto: ia ter um filho, o sonho acalentado desde sempre. Não sabia se ia ter marido, não queria fortuna, não almejava fama, desejava, mais do que tudo – ah, isso sim –, ser mãe.
Exerceu a maternidade desde que soube que gerava outro ser. Parou de fumar e beber, se cuidou e se dedicou ao bebê com tanto zelo que era bonito de ver. Chamava-o pelo nome, o nome que ela tinha escolhido havia muito, muito tempo. Cantava para ele e fez até os bebês caninos saberem que a família iria aumentar.
Hoje, ela diz ter não ter fé. Sabe que jamais será inteiramente feliz. Sempre vai lhe faltar algo. E, por isso, exige respeito para viver o luto, para chorar todas as lágrimas que tem para chorar, para conseguir se levantar e seguir adiante “mesmo sem vontade”.
Ela queria ser mãe. E foi. E é. Tiraram-lhe o filho, mas não a condição de mãe.
Mãe 2
Ela diz que não superou e nunca vai superar.
Ela perdeu o filho caçula, morto aos 18 anos, atropelado.
Bonita, realizada profissionalmente e bem-sucedida financeiramente, ela se sentia plenamente feliz com os três filhos e o neto. Mas hoje falta ele, por isso, diz que é “aleijada”, que seu “coração anda de muletas”.
Dizia, no princípio, que estava sangrando no CTI. Achou que não teria forças para trabalhar porque “o sentido da vida tinha ido embora”. Mas aos poucos foi voltando e hoje acredita que isso a colocou no eixo.
Acha que o filho agora é um espírito de luz e celebra sua idade no plano existencial, a cada ano.
Conhecida por sua gargalhada contagiante, afirma que mudou. Não acha mais graça de tudo, como antes. Quando gargalha agora “é com mais qualidade”. Ficou mais seletiva, afirma.
Ainda assim, ela confessa que, se tivesse chance e pudesse escolher outro destino que não o de uma mãe que perde um filho, ela não deixaria de querer ter vivido com o caçula durante 18 anos. Ela prefere pagar o preço da dor imensa a nunca ter convivido com ele.
Mãe 3
Ela diz ter se sentido traída, como se alguém lhe tivesse roubado. Afinal, estava tudo planejado e de repente...
Ela, que já tinha até o tema da festa de 1 ano dele, só pôde desfrutar de sua companhia por poucos dias. Com dor e revolta, passou a se perguntar: por quê?
Foi quando teve um sonho que a acalmou. Espiritualista, ela acredita que ele “está em algum lugar, a ajudando a superar os momentos difíceis”.
Passados três anos da perda, ela pensa em ter outros filhos com o namorado. Receberia outro filho “com muita alegria, sem medo” porque acredita que a tragédia de perder o bebê não a marcou negativamente, que sua experiência com ele foi especial e vivida como tinha que ser. “Outras histórias serão outras histórias”.
Mas ela sempre sente uma dor no coração quando diz ter apenas uma filha. Isso porque ela continua se sentindo mãe também do bebê que carregou na barriga durante 42 semanas – “ele ficou comigo o tempo máximo que pôde” – e nos braços, apenas alguns dias.