É hora de começar a fazer um balanço a respeito da pandemia e de suas consequências de médio e longo prazo. É ainda cedo para conclusões definitivas, mas parece que a pandemia teve o efeito de aprofundar e acelerar tendências, seja na vida pessoal, das empresas e das sociedades.
Empresas que estavam num processo acelerado de transformações, especialmente as mais avançadas nas áreas de tecnologia e governança, aproveitaram-se de uma vantagem competitiva e cresceram durante a crise. Por sua vez, outras empresas nos mesmos setores que já eram mal avaliadas, seja por problemas de governança, gestão e/ou modelos de negócios inadequados, sofreram grandes impactos.
As pessoas e as sociedades parecem seguir o mesmo caminho. Problemas antigos e que sempre foram inaceitáveis, como a violência doméstica, violência contra crianças e racismo, foram exacerbados, mostrando que temos um longo caminho civilizatório pela frente. As teorias conspiratórias e os radicalismos religiosos e políticos de toda sorte parecem ter alcançado um novo e preocupante patamar.
Os governos que já tinham traços autoritários e/ou populistas pelo mundo ganharam novos contornos. No Brasil, assistimos a um cabo de guerra entre uma agenda liberal e outra populista. A adoção de uma lógica de gastos públicos voltados para o assistencialismo e as eleições, sem uma agenda de reformas estruturais, ameaça a possibilidade de uma retomada sustentável e de médio prazo, num país que consome quase 40% do PIB com gastos públicos, possui um déficit estrutural e dívida próxima de 100% do PIB.
Ao contrário do que muitos poderiam pensar – ou mesmo desejar –, a pandemia não foi um momento de pausa e/ou reflexão, mas um processo de aprofundamento de tendências e aceleração forçada do tempo, com naturais e graves consequências em todos os âmbitos da vida humana.
Passados seis meses da pandemia e, ao que parece, ultrapassado o pico da transmissão, estamos diante de diversos desafios. Cicatrizar feridas, respeitar as dores e o luto de milhares de famílias. Aprofundar mudanças na gestão das empresas e recuperar a economia. Conter o ímpeto populista e discutir reformas estruturais com foco na melhoria dos serviços públicos, na reforma do sistema tributário, tornando-o mais eficiente e justo, e, sobretudo, na construção de políticas públicas que ataquem os problemas estruturais de uma sociedade absurdamente desigual como a brasileira.
Não podemos e não devemos esconder problemas debaixo do tapete. A pandemia desnudou o tamanho de nossas mazelas, sobretudo, no que se refere à nossa gritante desigualdade, pobreza e descompromisso com a educação. Construir cidadãos, empresas e governos melhores será o grande desafio do pós-pandemia.
*** No momento em que escrevia este texto, li uma mensagem. Comovido com a morte por Covid-19 de sua ex-professora, Cária, um médico agradecia o papel transformador que ela teve em sua vida. Minha gratidão a todas as Cárias. As minhas foram Célia, Margarida, Rose e Elizabeth. A elas e a tantas outras, a gratidão silenciosa pela luta por uma educação que transforma vidas. Obrigado.