As trocas nos altos cargos de um governo não acontecem por mera fatalidade. Amadurecem e se sedimentam numa progressão de eventos, de circunstâncias quase sempre indomáveis. Embora alguns sinais possam levar a crer numa perda irreparável, a história mostra que substitutos souberam ultrapassar os resultados alcançados pelo antecessor. Assim se espera, já que em jogo está o interesse, não apenas de um governante, mas de 20 milhões de mineiros diretamente impactados pelas ações do governo.
Em Minas perdeu-se um executivo público competente, probo, austero, dedicado e focado no bem do Estado. Um cometa que passa a cada 50 anos, um diamante numa montanha de cascalho. Sai, assim, uma figura do quilate de Otto Levy da Secretaria de Planejamento, um águia do saber, e entra Luisa Barreto, uma jovem funcionária de carreira, tucana, recém-reincorporada à secretaria depois de uma aventura eleitoral nas urnas da capital.
Com a saída de Otto Levy, empobrece Minas Gerais inteira, ao mesmo tempo em que o governo sofre o desfalque da maior reserva de inteligência, competência e coragem, genuinamente voltadas para o bem do Estado. Discreto, despojado de vaidades, humilde, felizmente liberto de ideologias polêmicas, restará na história como o maior protagonista da estratosférica indenização a que foi levada a Vale. Valor mensurável em um aumento de 22% do PIB do Estado de Minas nos próximos quatro anos, com potencial transformador e acelerador de um progresso que no Estado avançou como caranguejo na segunda parte da última década.
Embora assinado por um mundaréu de gente, menos pelos municípios afetados e diretamente prejudicados, o acordo da Vale ainda é uma obra inacabada e preliminar, com obscuridades nas suas entrelinhas que deixam a execução das obras nas mãos da própria Vale, num ambiente em que exerce fortíssima e colonizadora influência. Poderá levar a muito ou a nada, como a Vale já se mostrou capaz com suas controladas, nos casos das contrapartidas da VLi e das reparações da tragédia de Mariana com resultado nulo ou impalpável.
Não se trata, como alguém considera apressadamente, de cobrar um pênalti contra um goleiro de olhos vendados e mãos amarradas, tem muito mais: ainda não se alcançou a fase mais complexa e tormentosa. Aquela que requer o comando de uma figura destemida, incorruptível e competente, como Otto. O governo de Minas tem alguém que possa assumir o leme de um mar que promete tempestades e ondas gigantes?
O navio perde o timoneiro ainda não percebido pela plateia, quando está sendo elaborada uma ação de revisão do acordo da Samarco, controlada da Vale, para exigir-lhe as dezenas de bilhões que deixou de pagar.
Será mera coincidência a Samarco ter requerido nessa última sexta-feira um estranho, para não dizer patético, pedido de recuperação judicial? Deverá ser-lhe negado, pois é controlada pelas duas mais rentáveis e poderosas mineradoras das Américas, mas mostram a ousadia de quem é capaz de embaralhar as cartas para fugir de suas responsabilidades legais.
Escrevi nesta coluna, quando da assinatura do acordo da Vale, que o governador Zema teria pela frente um cenário de marcha triunfal até a reeleição. Agora as circunstâncias tiraram dele as botas e a marcha se dará descalço.
Ao Otto Levy o reconhecimento de suas atitudes heróicas, num cenário de mediocridades e oportunismos, e, ainda, o agradecimento por ter mostrado ao país que competência, probidade e determinação (ausente a décadas) podem subverter o império da imoralidade que desgraçou o Brasil.