Um leitor antigo deste jornal queixou-se do excesso de notícias negativas sobre a atitude de Jair Bolsonaro e pouca ênfase no que fez de bom. Certamente pecou por atitudes inusuais para um presidente da República, mas não se distanciou muito do comportamento dos últimos recém-eleitos. Lula, em 2003, e Dilma, em 2010, protagonizaram episódios estranhos, declarações infelizes, comprovando a inexperiência para o cargo ocupado.
Oito meses depois da posse, Lula persistia no programa Fome Zero, um fracasso, por ele abandonado, como abandonadas foram as declarações que espantavam o bom senso de muitos. Entretanto, carregava a autoridade consagradora de uma eleição. Seu governo começou a tomar corpo e a se definir só no segundo semestre de 2004, 18 meses depois. Não conseguiu aprovar qualquer medida inovadora ou reforma. Bolsonaro está com oito meses de governo e a caminho da aprovação da reforma da Previdência.
Evidentemente, o presidente eleito em 2018 ainda não se desintoxicou da campanha eleitoral que quase lhe custou a vida, concedendo-lhe a oportunidade de comandar o destino da nação por quatro anos. Uma responsabilidade grandiosa que muda o “ser humano” no momento de incorporar tamanha responsabilidade cercada de imensas expectativas.
Bolsonaro ainda está longe de se convencer sobre a inutilidade de responder a qualquer crítica que recebe. Poderia recebê-las como ajudas para reflexão e, assim, aproveitá-las “em silêncio”. Entrar no jogo de provocações serve muito mais para valorizar o provocador. Um governante não será medido apenas por episódios, o que o consagrará serão os resultados de médio e longo prazo. A estes precisa prestar atenção.
No Brasil falta dinamismo na economia, cuidados com a educação e a saúde, o país carece de infraestrutura e ambiente para investimentos. O sucesso estará nos resultados que o conjunto de esforços apresentará, e isso apenas a partir do segundo ano de mandato.
A vitória de Bolsonaro esculpiu na história do Brasil a derrocada da velha e desgastada política, enterrou dinastias que pareciam eternas e que deixaram de troco 13 milhões de desempregados, mais R$ 5 trilhões de saldo da dívida pública, abarrotaram as penitenciárias com 760 mil infelizes tratados como animais, concederam ao crime organizado o domínio das ruas, destruíram a saúde pública, conturbaram a economia, concederam a fundo perdido bilhões de dólares para as ditaduras mais obscuras e cruéis do planeta, marcaram recordes mundiais de corrupção e de descalabros.
Bolsonaro teve o “mérito” de se diferenciar da velha política. De ser o contraponto mais visível e marcante, e não por interpretar o estadista dos sonhos.
Os círculos do pensamento conservador e diplomático se espantam com Bolsonaro, mas esquecem que ele é o resultado de uma vontade que quer varrer o abuso, a espoliação de um povo ingênuo e castigado.
O presidente pecou por exageros quanto se trata de armas, de simplificar o cotidiano burocratizado, tentando entregar trigo sem ter retirado completamente o joio.
Dentro da equipe ele precisa de um sábio a mais para melhor fazer as proposições mais polêmicas.
Seja o que for, é decididamente o primeiro presidente, em longos anos de desgraças, que deu um basta à orgia comandada por empreiteiras, banqueiros, escroques da pior espécie e partidos que existem para assaltar a República. Se for só isso, já terá prestado um inestimável serviço.
Embora não se possam menosprezar ou relegar a segundo plano as críticas oceânicas ao seu “modus”, ainda possui crédito que os eleitores lhe deram. Muitos entendem que, se ele afundar, reemergirá com toda a força a podre política, o mecanismo perverso de arrombar o país.
Pode-se dizer que um dos filhos, parlamentar, tinha um assessor chamado Queiroz administrando uma conta que, segundo denúncias, movimentou R$ 1,2 milhão em dois anos, com indícios de prática de caixinha de gabinete parlamentar. Isso, entretanto, é uma praxe na maioria dos gabinetes parlamentares do Brasil, desde vereador até senador. Em alguns partidos é institucionalizada e garfa 30%, 50% ou até 100% dos salários dos “assessores e dos laranjas” com a finalidade de abastecer campanhas e outras coisas mais.
Os problemas do Brasil são bem mais sérios e amplos. Precisam ser priorizados. O caso da recuperação de dezenas de bilhões desviados pelos esquemas de corrupção, e que o Coaf nunca detectou, seria uma guinada de moralização e de financiamentos públicos.
O governo passa por um momento em que vários fatores o atormentam não só por certa ingenuidade, arroubos inadequados e inexperiência, mas pelo cerrado ataque de figuras, organizações e partidos que morrem de saudade dos ganhos fáceis.