Marcos Cintra, o então secretário da Receita Federal, tentou criar uma nova CPMF, e Bolsonaro, quando sentiu que era para valer, o demitiu com uma canetada.
O gesto, apesar de “rude”, segue a coerência do discurso eleitoral com a prática governamental. Excluiu a possibilidade da CPMF como candidato e a respeitou como presidente eleito.
Bolsonaro vem perdendo, entretanto, popularidade num momento atormentado, custando a se ajustar com as conveniências do cargo imenso que ocupa.
Como outros que já passaram pelo Palácio da Alvorada, não estudou para presidente. Está aprendendo no exercício do cargo.
Perdeu apoios não pelas medidas econômicas e pelas reformas aprovadas, mas pela inabilidade no uso da língua, enquanto os filhos se encarregam de alimentar as críticas azedas.
A CPMF entraria na contramão da retomada do crescimento econômico, imprescindível a uma nação com 50 milhões de seres humanos atolados na miséria e no desemprego.
A arrecadação sobre movimentação financeira defendida por Cintra não discrimina o arroz de um Land Rover, um pãozinho do caviar, um medicamento de uma joia da H. Stern. Tudo é onerado de forma igual no ato do pagamento e do recebimento.
Trata-se de uma cobrança que infla os preços dos produtos elaborados, sem distinguir o básico do supérfluo, a produção do consumo, o mercado interno do externo. É uma simplificação tosca e delirante, que ceifa a competitividade, a capacidade de compra da população, favorecendo o produto similar importado, livre da cumulação de cobranças a cada operação.
Embora Marcos Cintra tenha obtido notoriedade com ideias de simplificação tributária no milênio passado, alimentando sonhos liberalistas, insistiu, no último ano, na instituição de contribuição velha e surrada, que agrava o já caótico e injusto sistema tributário nacional.
A proposta de Cintra pode ser vista como um presente de Papai Noel aos bancos, que alimentam a onda favorável para sua aprovação, embora nunca tenham sido esclarecidas no passado as suspeitas de uma sonegação monumental. A CPMF nunca passou por uma fiscalização da Receita Federal ou por explicações ao Congresso. Quando as suspeitas sobre ela se acumulavam, um parecer de inconstitucionalidade a enterrava, e por duas vezes “bola pra frente”.
A onda a favor da sua restauração é nitidamente anabolizada por lobbies setoriais. Não é solução para a economia. Afirmar que se daria para desonerar a folha é uma balela, como no passado se dizia que era para custear a saúde, mas 80% dela era consumida em gastos e custeio de variadas finalidades.
Cintra raciocina como um medíocre tributarista, tentando dissimular as garfadas no bolso do cidadão, pouco se importando com os efeitos perversos deixados no rastro. Devaneia como carrapato que sonha em sugar a vaca inteira se dando bem. Fica de costas para a entrada da caverna, esquecendo que o verdadeiro mundo é lá fora, e não nas entranhas do sistema financeiro.
Obtusamente, não distingue o essencial, um mecânico conduzindo um Fórmula 1 em pleno GP.
O cidadão brasileiro já contribui para o erário federal com dez tipos de cobranças diferentes: Imposto sobre Importação, Imposto de Renda, ITR, IPI, CSSL, IOF, Cide, PPS, PIS/Pasep, Cofins. E, ainda, paga contribuições previdenciárias e ao Sistema S. No relatório da Receita Federal são expressas “outras arrecadações” de órgãos federais, que, entre taxas e multas, ampliam as receitas em R$ 10 bilhões, tendo somado R$ 137 bilhões apenas no mês de julho passado.
A fórmula mais eficiente para equilibrar contas públicas é estancar o supérfluo, cobrar austeridade permanente de todos, fechar as torneiras sem prejudicar os serviços essenciais e ter um comandante disposto a dar um exemplo estoico.
Se deixar a condução das escolhas a um velho tributarista e a raposa de bancos, o Brasil continuará a ser o gigante sonhado por Nabucodonosor com cabeça de ouro, peito de prata, pernas de ferro e pés de barro.
É preciso alguém que saiba mesclar os elementos e distribuí-los convenientemente para o colosso se sustentar.