Uma das primeiras lições que um estudante de belas artes aprende é a proporção original do corpo humano. Guardadas diferenças em função da constituição étnica-racial do modelo vivo ali posando, o estudante, rabiscando esboços, deve ter em mente aquilo que os mestres ensinam desde os tempos de Fídias.
Trata-se de uma regrinha manjada: o ser humano adulto – homem ou mulher – tem a altura aproximada de sete cabeças e meia. Ou seja: ao reproduzir uma figura humana adulta, o artista se atém a essa proporção. É fácil: defina a cabeça primeiro; meça-a e multiplique-a por 7,5 e você terá um corpo na proporção usual. Esta é a regra clássica – e não a de concepção abstrata, onde o artista tem a liberdade de criar o que bem entender, como Brecheret, Ceschiatti ou Zamoyski.
Já os extraterrestres... A imaginação dos cartunistas, ilustradores e cineastas vem criando seres cabeçudos e de corpo diminuto, talvez simbolizando suas massas cefálicas volumosas e prodigiosas, capazes de controlar as mentes dos pobres terráqueos. Revendo as obras espalhadas nas praças e nos jardins de Belo Horizonte com olhar mais crítico, desconfio que a influência nefasta dos ETs alcançou também as mentes dos escultores que as assinaram.
Na praça Tiradentes, cruzamento das avenidas Brasil e Afonso Pena, temos uma aberração histórica datada de 1962. A homenagem ao chamado protomártir da Independência logo virou chacota na boca do povo por conta de suas dimensões absolutamente irreais. Na época, chegaram a apelidar a escultura com um substantivo alusivo aos efeitos da funesta Talidomida, medicação empregada por gestantes que tantos males causou no passado.
A estátua de Tiradentes – de cabeça imensa – apresenta a inacreditável proporção de 4,5 cabeças para o resto do corpo, além de formas, expressões, posturas e detalhes de gosto duvidoso. Nosso herói inconfidente mereceria mais cuidado. Vale lembrar que Tiradentes também é o patrono da Polícia Militar, numa justa reverência à coragem e à liderança de Joaquim José.
Uma amiga, estudiosa do assunto, chegou a preparar uma proposta para a reformulação de tal monumento. Sugeriu que fosse simplesmente removida a antiga estátua e substituída por outra. Tiradentes não apareceria com a corda no pescoço – abatido, derrotado, rumo ao cadafalso –, mas sim vitorioso e idealista, no seu belo uniforme de alferes da Colônia.
A posição também seria invertida: o olhar da futura estátua não se voltaria para a rodoviária no final da Afonso Pena, mas para as montanhas de Minas, hoje às suas costas, paisagem inspiradora que abrigou o inconfidente e seus companheiros.
A maldição da proporção não se restringiu à figura do alferes em nossa cidade. Intrigado, andei fotografando estátuas mais recentes instaladas por aí, com o propósito de checar suas dimensões. Engraçado: parece que nenhuma obedece à regra clássica. As celebridades eternizadas são todas estranhamente cabeçudas ou de tronco e membros diminutos. Faltou verba, faltou bronze ou faltou atenção de seus criadores?
Outro monumento, instalado na praça da Estação, oculta um detalhe moralista. Batizado “Monumento à Civilização Mineira”, em homenagem aos heróis e mártires das alterosas, a figura foi criada pelo artista italiano Giulio Starace.
Em termos de proporções, ela é perfeita, além de exibir movimento, leveza e imponência, atributos essenciais de uma escultura clássica. No entanto, foi censurada pelo moralismo exacerbado dos governantes da época. Concebida inicialmente nua pelo artista, a figura teve de ser modificada, ainda no papel, sob ordens irrefutáveis. A bandeira que levava em mãos foi providencialmente prolongada até encobrir a chamada genitália do triunfante portador, evitando chocar as senhoras e senhoritas passantes nos seus inocentes footings de 1930.
Moralismo assim é engraçado. Já desproporção e descuido numa estátua parece lambança mesmo.