Bastava a capacidade lógica de somar dois com dois para antever o quadro que agora começa se pintar: convulsão social, com doses crescentes de violência, claro, e um futuro imprevisivelmente obscuro.
Os inocentes úteis mobilizaram-se na crença de que a derrubada de um governo impopularíssimo porque ineficaz (e vice-versa) abriria as picadas par as soluções de dois graves problemas brasileiros recentes: um, a fratura sociopolítica em nosso povo e, dois, o pessimismo dos agentes econômicos. Tirada da sala a “cabra-mor”, a “mãe do chiqueiro”, e com ela toda sua prole, presumia-se, o ambiente estaria pacificado, purificado e cheirosinho.
Erro. Trocar um governo por outro sem voto (um governo não se resume a seu chefe) não é solução democrática. Um resultado eleitoral frustrante e frustrado só é bem sanado por outra eleição. Não bastasse essa excrescência, que assim seria mesmo na mais completa e morna neutralidade dos substitutos, a gestão golpista de Temer põe em curso, desde a interinidade, a coleção de vilanias que a ela foi proposta, pela plutocracia, para sua própria ascensão.
E é a imposição vertical, sem o devido rito temporal e dialógico, de uma agenda impopular, o que faz crescer essa rachadura no solo e entre o presente e o futuro. O Brasil se cindiu, a distância entre os blocos se amplia, e não será a figura pequena de Temer a ter condição de alinhavá-los novamente. Se a convulsão se desenha, a cores mais vivas a cada dia, quem será o investidor, empreendedor ou rentista audacioso? As incertezas que se avolumam no médio prazo vão direcionar capitais para outras freguesias ou para a poupança, e a justificativa macroeconômica para o golpe parlamentar irá para o vinagre.
Os dois Brasis se cruzam agora na porta da escola, na velha ameaça “te pego na saída” ou, como é o caso, “te pego lá dentro”. Quem está fora se sustenta na primazia da força para coibir as ocupações estudantis. Os fascistas que dormiam em seus guarda-roupas desde os anos 60 tiraram os pijamas. Têm seu ódio alimentado por policiais que imobilizam e algemam estudantes adolescentes como se criminosos perigosos fossem. Têm sua ânsia por negar o outro vivificada por decisões da Justiça dignas de regimes de exceção e, portanto, inconstitucionais. Com o Enem adiado para milhões, quando se poderia contornar facilmente diversas situações de ocupação, tenta-se jogar a opinião pública contra o movimento.
Os atos de resistência, mesmo sob pauladas e cusparadas, não parecem que terão fim. À estudantada tendem a se unir trabalhadores organizados, despossuídos, favelados, religiosos, artistas e quem mais se incomodar.
O autismo das instituições da República terá limite. O governo compra a Justiça e o MP com aumentos de salários, o Parlamento com carguinhos e a grande mídia com a compra de publicidade. Mas não se legitima projeto de poder sem povo, nem se o submeter a porrada. Um dos Brasis vai parar, o outro será parado.
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