Rumo ao Carnaval, o coração perde o compasso. Agora, é assim, em tom de brincadeira, que o fotógrafo e professor universitário Diogo Fabrin, 37, lembra o susto de três anos atrás. Saindo de Igarapé, ele vinha curtir a folia em BH ao lado da mulher quando começou a sentir dores no peito e formigamento no braço. Logo identificou: estava sofrendo um ataque cardíaco. Buscou ajuda, chegou a ficar internado e não pôde cair na festa, mas não reclama: se recuperou sem sequelas.
Até que tal episódio lhe tenha acometido, Fabrin não tinha hábito de ir ao médico e resistia mesmo quando sofria de fortes enxaquecas. Depois disso, passou a fazer consultas periódicas e, a pedido do médico que o acompanha, realiza alguns exames pelo menos de seis em seis meses. E, a partir de então, o professor passou a notar uma melhora em sua qualidade de vida. “A consulta periódica nos dá sensação de tranquilidade, porque indica que está tudo sob controle”, diz.
Mas a razão do alívio de Fabrin, diga-se, é justamente o motivo pelo qual alguns especialistas têm contraindicado a realização das famigeradas “baterias completas de exames”. “Essa história de que, quanto mais completo o check-up melhor, é um mito”, estabelece Reginaldo Valácio, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica da seção Minas Gerais.
À luz de evidências e entendimentos modernos da ciência médica, Valácio dá nome ao problema: “overdiagnosis”, termo que foi traduzido para o português como “superdiagnóstico”. Trata-se de um fenômeno em que pessoas realizam diversos exames, mesmo sem terem se sentido mal, e acabam “descobrindo algo que nunca lhe faria mal, que não causaria desconforto, como nódulos que nunca viriam a se tornar câncer”. “Com a descoberta, a pessoa se sente doente e pode até chegar a começar um tratamento – que, às vezes, é invasivo ou tem muitos efeitos colaterais”, explica. Também atento ao problema, Breno Figueiredo Gomes, coordenador da equipe de Clínica Médica da Rede Mater Dei de Saúde, alerta que “esses exames podem trazer mais ruídos que sinais”.
Para o profissional, “além de viver mais, a medicina deve ajudar a viver bem”. Por isso, os atendimentos precisam visar à qualidade de vida do paciente. O recomendável, portanto, é não se render aos check-ups como única forma de prevenção. “O ideal é que se faça visitas periódicas de saúde. Nelas, individualmente, o médico vai estabelecer fatores de risco e decidir que tipo de exames pedir”, diz.
Mais do que entregar um relatório, as visitas devem ser acompanhadas de uma entrevista motivacional, auxiliando o paciente a encontrar caminhos e mudar hábitos. “Identificar a razão de uma insônia, que talvez não possa ser detectada num exame, mas numa boa conversa, pode ser algo muito mais urgente para alguém que, por exemplo, precisa dirigir longos trechos”, determina Valácio.
Ir ao médico todo ano não é necessário
O ano começa e vem o alerta: hora do check-up. O senso comum, afinal, apregoa que esses exames devem ser feitos anualmente. Mas, a não ser que a pessoa sofra ou tenham sofrido com doenças que exijam acompanhamento, tal periodicidade não é uma unanimidade no meio científico.
Em relação a pessoas de até 40 anos, Reginaldo Valácio defende que aproveitem oportunidades. “Vai começar uma academia? Vai iniciar um novo relacionamento amoroso? Ou não se recuperou bem de uma gripe? Faça uma visita médica”, exemplifica. No caso de idosos, o profissional reforça que a atenção deve ser redobrada. “Se um atleta profissional fica muito tempo sem praticar seu esporte, pode ter uma perda de rendimento. No caso de um idoso é semelhante. Se ficar muito tempo em repouso, seja por conta de um resfriado, é importante que visite um médico”, diz.
Para quem prefere se organizar por uma agenda mais, digamos, rigorosa, se atenha à dica de Breno Figueiredo Gomes. Ele propõe visitas trienais, para pessoas com até 40 anos. Depois disso, as consultas podem acontecer ano a ano.
Machismo é entrave à prevenção contra doença
Unânime. Parte importante na prevenção a ida aos consultórios, de acordo com os médicos, é ainda hoje um tabu entre os homens, que costumam ser mais resistentes a fazer visitas médicas.
Mundo. “Não é algo que acontece só no Brasil. O Canadá tem ótimos índices de controle de hipertensão, exceto para jovens homens. Por lá, há iniciativas para romper com essa cultura”, observa Reginaldo Valácio, clínico geral.
Cultural. Para ele, mulheres estão mais habituadas aos consultórios. “Historicamente, são elas que acompanham os filhos nos pediatras e é mais comum que construam relação de confiança com ginecologistas”, afirma.
Refratários. “Os homens, de fato, são mais refratários. Muitas vezes, o alerta do exame de câncer de próstata funciona como um gancho para consultas mais abrangentes”, expõe Breno Figueiredo Gomes. O clínico geral, todavia, vê mudança nesse comportamento e acredita que, lentamente, essa realidade vem mudando. “Eles têm se preocupado, sim, cada vez mais com a saúde”, diz.
- Pampulha
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