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Conspiração virtual

Boom de compartilhamento de teorias conspiratórias nas redes sociais gera discussão sobre a atração exercida por esse tipo de narrativa; especialistas chamam a atenção para o debate sobre notícias falsas no ambiente online

Por Bárbara França
Publicado em 28 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Brasil, 19 de janeiro de 2017. O avião no qual havia embarcado o até então ministro Teori Zavascki, prestes a homologar as dezenas de delações de executivos da empreiteira Odebrecht dentro das investigações da Operação Lava Jato, não consegue pousar na pista próxima a Paraty, litoral do Rio de Janeiro, e cai. 

Poucas horas depois, antes mesmo da confirmação da morte do juiz do Supremo Tribunal Federal, já circulavam, nas redes sociais, variadas hipóteses que convergiam para o mesmo ponto: tratava-se de uma conspiração, destinada a abafar a operação que vem dominando as manchetes da mídia.

A adesão à tese que enxergava uma tramoia por trás do ocorrido pode ser atestada pelo volume de curtidas e compartilhamentos destas hipóteses. Postagens que associavam a morte do ministro a algum tipo de plano para barrar as investigações tiveram mais de 5.000 curtidas em menos de três horas e pelo menos 3.000 compartilhamentos.

Não que no calor do momento não fizesse sentido a especulação, ainda mais em meio à crise política em que o país está mergulhado. Até o veterano colunista Elio Gaspari usou seu espaço na “Folha de S. Paulo” para dizer que “não é teoria da conspiração, é dúvida”. 

Passada uma semana de investigações e alguns fatos esclarecidos, ainda chama a atenção a velocidade com que posts conspiratórios ganham as “timelines” da vida. O que desperta a questão: por que somos tão fisgados por essas versões ocultas da história?

Pesquisa publicada na plataforma PLOS One, e realizada por estudiosos dos Estados Unidos e da Itália, analisou a ação de 1,2 milhão de usuários do Facebook para perceber a sua interação com conteúdos classificados como “científicos” e “conspiratórios”. Entre os achados, notou-se que o grupo de pessoas que adere mais aos textos científicos costuma questionar as informações e debater. Enquanto os grupos associados a conteúdos conspiratórios tendem a compartilhar. Os pesquisadores interpretam o dado como vontade de difundir o que julgam estar fora da mídia tradicional. 

É aquela ideia do “passar para frente”, mas aqui envolvendo tudo. Desde as conspirações “clássicas” – sociedade secreta Illuminati, contato extraterrestre – até as conspirações políticas e econômicas atuais – juiz Sergio Moro a serviço da CIA para “roubar” o pré-sal; Donald Trump, um peão do Kremlin trabalhando para o presidente russo, Putin, que seria imortal; Foro de São Paulo quer impor o comunismo mundial. 

Seleto grupo

Não existe, conforme Raphael Tsavkko, pesquisador em redes sociais e direitos humanos na Universidade de Deusto, na Espanha, uma fórmula específica que faça um conteúdo viralizar. Mas, no caso das teorias da conspiração, especificamente, conta muito o fator sensacionalismo. “Conspirações tendem a chocar ou simplesmente reproduzir o senso comum, muitas vezes, equivocado”, destaca Tsavkko, que chama a atenção para a possibilidade de as teorias reforçarem estereótipos e preconceitos. “Nas bolhas da internet, conteúdos tendem a ser mais compartilhados sem grande reflexão, o que promove conteúdos falsos, conspirações etc, que se encaixam nos limites ideológicos e na forma como cada grupo enxerga a realidade”. 

Afinal, como coloca Carlos Alberto de Carvalho, professor de comunicação da UFMG, além do fato de que “quem conta um conto aumenta um ponto”, compartilhar uma narrativa, qualquer que seja, não se dá sem problemas. “Narrar é uma disputa de sentidos, motivada por interesses os mais diversos, sejam políticos, econômicos ou mesmo diversão. Com as teorias da conspiração, acontece o mesmo”, destaca o professor, apontando também para o traço extremamente atraente das teorias, que criam um ambiente de suspense e sensação de que aqueles com acesso a tal conhecimento oculto fazem parte de um grupo bem seleto de iniciados. “Elas têm um quê de conto policial, se relacionam especialmente com aquela tradição de contos de espionagem”. 

Nosso tempo

Momentos de crise e a consequente transformação do mundo e seus valores favorecem o surgimento de teorias da conspiração, segundo João Furtado, professor de história da UFMG. “Há uma vontade de ligar os fatos, fazer com que eles tenham sentido”, salienta. No entanto, o histórico de acontecimentos que pareciam retirados de um roteiro de filme, mas que se comprovaram, e principalmente aqueles que ainda carecem de explicações no Brasil, ajuda a intensificar o clima conspiratório. “O caso da morte do JK, por exemplo, tinha elementos fortes para reforçar a hipótese do assassinato. Ainda mais porque aconteceu na mesma época da morte de Carlos Lacerda, João Goulart e outras figuras assassinadas pela ditadura”.

Considerar, então, uma pessoa de paranoica porque ela tem se tornado cada vez mais cética e questionadora dos acontecimentos do país e do mundo, para Guilherme Massara, psicanalista e professor da UFMG, pode ser um exagero. “Um paranoico, no sentido psiquiátrico, vive, por exemplo, uma situação de perseguição constante e de mudanças de comportamento súbitas. Nesse caso, há que se procurar ajuda profissional. No entanto, estamos vivemos uma época de paranoia social mesmo, em que perdura um sentimento de insegurança e desconfiança”. Nesse caso, o historiador Furtado só vê uma saída: ler mais, ler fontes diversas, ler sempre.

A anatomia das teorias da conspiração

Estrutura Segundo o livro “Voodoo Histories: The Role of the Conspiracy Theory in Shaping Modern History” (em português: O papel das Teorias da Conspiração na Formação da História Moderna), do jornalista britânico David Aaronvitch, teorias da conspiração têm em comum as seguintes etapas: 

Evento marcante Para a conspiração pegar, o ideal é que trate de um acontecimento de grandes proporções, envolvendo conflitos, interesses e polêmicas. A versão oficial de como tudo aconteceu deve ser contestada.

Elite É importante apontar um grupo de elite com interesse em manipular a versão oficial e com poder para manter tudo em segredo. As acusações costumam ser vagas, mencionando sociedades secretas.

Passado Relacionando fatos antigos – verdadeiros ou não -, a teoria fica mais convincente e parece embasada em fontes históricas. 

Perturbadoras Mencionar ocorrências suspeitas e detalhes mal explicados também é uma boa. O ideal é introduzir personagens que estariam envolvidos na conspiração e plantar dúvidas.

Verdade É importante apresentar aliados que também buscam esclarecimentos, pois rende credibilidade. E, ainda, mencionar um meio de comunicação confiável como parceiro.

Iminente Espalhar o desespero faz a teoria ser engolida mais facilmente. Depois de muito argumentar e apontar furos, vem a sugestão de que algo terrível acontecerá se a verdade não vier à tona.

Notícia falsa também viraliza

No meio da última semana, muitos usuários do Facebook compartilharam, em tom de comemoração, um link sobre uma pesquisa realizada pelo projeto “Monitor do debate político no meio digital” da USP, que listava os 10 maiores sites de notícias falsas no Brasil. Pertinente, a iniciativa se casaria bem com o momento tumultuado pelo qual passa o país (e o mundo) não se tratasse ela mesma de uma notícia falsa. Divulgada pelo portal “Isso É Notícia”, a matéria repercutiu tanto que fez com que membros do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação, responsável pelo projeto, viessem a público desmentir o enganoso viral. 

“O Márcio (Moretto Ribeiro) e eu passamos o dia respondendo a jornalistas que queriam conversar sobre o suposto estudo, antes de dar a notícia. Outros, no entanto, difundiram a informação equivocada sem verificá-la e houve até um veículo que fez uma matéria, gerando a esdrúxula situação de dar uma notícia falsa sobre um estudo sobre notícias falsas”, escreveu Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas na USP e um dos participantes do projeto, em seu mural na rede social. 

Além da ironia da “meta-notícia falsa”, ele destacava como curioso o fato de, na lista divulgada, só estarem anunciados sites com uma posição política bem clara à direita, mesmo sabendo-se que as “pós-verdades” são também compartilhadas por páginas à esquerda. 

Recentemente, buscando barrar esse tipo de acontecimento, o Facebook anunciou que vai lançar ferramentas para combater notícias falsas. A empresa facilitará, para os usuários, a marcação de artigos falsos em seus feeds de notícias e também trabalhará com empresas parceiras no esforço de checagem da autenticidade das histórias. Se as empresas identificarem que determinada notícia não é verdadeira, ela será marcada como “contestada” e haverá um link para o artigo correspondente onde estará explicado o porquê. Uma vez que o conteúdo for marcado, ele não poderá ser promovido, sendo, assim, rebaixado no feed de notícias. 

O empreendimento foi recebido como um caminho interessante, mas, de acordo com Tiago Salgado, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas da UFMG, é preciso avaliar como funcionará na prática. “A questão é saber qual o grau de transparência dos dados e como os algoritmos dessa plataforma vão indicar a veracidade de alguma coisa apenas pela dimensão matemática ou calculada. As margens de erro, próprias aos humanos, me parecem ser minimizadas e acabam por criar ‘filtros bolha’, em que tendemos a receber apenas notificações daquilo que conhecemos ou curtimos”, aponta Salgado. 

Já Raphael Tsavkko, pesquisador em redes sociais e direitos humanos, chama a atenção para a parcialidade que poderá guiar a classificação de uma notícia como falsa ou não. “Toda notícia carrega alguma posição ideológica sem necessariamente ser falsa. O Facebook é famoso por eliminar postagens e perfis legítimos, ter uma posição extremamente retrógrada em relação ao corpo humano (especialmente o feminino), posição ambígua em relação à arte (nudez em quadros, fotos, etc), então, é duvidoso que façam um bom trabalho nessa nova área”, ressalva. 

Checar e salvar

Uma das atitudes ideais a serem tomadas nesse caso, para Tsvakko, seria uma campanha de conscientização em relação à necessidade de se checar fontes. Alexandre Atheniense, advogado especializado em direito digital, concorda. Segundo ele, que recebe casos envolvendo notícias falsas em seu escritório o tempo todo, a melhor forma de agir na internet é se monitorar o tempo todo, “o que significa desconfiar de tudo que se lê e buscar outras referências”.

“E, se você se deparar com algum conteúdo que considere duvidoso, preserve as provas. A forma mais adequada é fazer uma ata notarial em cartório e procurar um advogado. Assim, é possível tomar as devidas providências”, alerta. 

Teorias da conspiração que foram comprovadas

Experimento de Tuskegee

Entre 1932 e 1972, o Serviço de Saúde Pública Americano ofereceu um tratamento placebo a trabalhadores rurais negros e que tinham sífilis. Realizado no Alabama, Estado no sul dos EUA, o estudo, chamado de “Tuskegee Syphilis Experiment”, almejada observar como a doença avançava no corpo do homem negro. Aos trabalhadores, era informado que seriam submetidos a um tratamento do que à época era chamado de “sangue ruim”, expressão que designava diversos tipos de problemas, como anemia e fadiga, além da própria sífilis. Só que a nenhum dos “cobaias” foi informado que ele era portador da doença. Depois de anos negando a existência do experimento, então o presidente Bill Clinton fez um pedido de desculpas formal, classificando o caso de “vergonhoso”.

O testemunho de Nayirah

Em 1990, um depoimento forjado foi o responsável pela entrada dos Estados Unidos na guerra entre Iraque e Kuwait. Identificada como Nayirah, uma menina de 15 anos foi o destaque de um congresso sobre direitos humanos que aconteceu no ápice da guerra. Aos prantos, ela relatou fatos terríveis, como a existência de soldados iraquianos arrancando bebês de incubadoras em hospitais apenas para vê-los morrer. O relato foi o estopim para que o exército americano fosse para o front. O que não foi divulgado é que a moça era filha do embaixador kuwaitiano dos EUA e fazia parte da família real do país. Nayirah tinha passado por um curso intensivo de atuação e, como o mundo ocidental não tinha acesso fácil à imprensa do Kuwait, o depoimento comoveu a mídia internacional e acabou ficando como a versão oficial dos fatos. 

Operação Northwoods

Um documento oficial da CIA, revelado em 1997, propunha que o exército americano bombardeasse cidades de seu próprio território, como Miami e até a capital Washington. A ideia era criar uma justificativa para entrar em guerra contra Cuba, chamando a opinião pública mundial para apoiar os EUA em uma futura invasão à ilha.

“O resultado esperado da execução desse plano seria (...) desenvolver a imagem internacional de uma ameaça cubana à paz no Ocidente”, dizia trecho do documento. Muita gente acredita que este raciocínio está por trás do 11 de setembro.

Fonte: Revista Galileu

Filmes sobre teorias da conspiração indicados pelo cineasta Renné França
 

JFK: A Pergunta que Não Quer Calar O diretor Oliver Stone mistura documentos reais, teorias, CIA, máfia, FBI e Cuba para tentar explicar a morte do presidente dos EUA John Kennedy. Lançado em 1991, figura na lista dos 25 filmes mais controversos de todos os tempos, organizada pela “Entertainment Weekly”. 

Citizenfour Nesse documentário, a espionagem que o governo dos EUA faz com seus próprios cidadãos e governos de outros países é contada pelo próprio Edward Snowden, ex-funcionário da CIA. O filme, lançado em 2014, revela uma das denúncias responsáveis por várias teorias de conspiração atuais. 

Teoria da Conspiração No longa, Mel Gibson é um taxista cheio de teorias da conspiração. Quando tentam matá-lo, ele percebe que uma de suas teorias é, realmente, verdadeira. Mas qual? Lançado em 1997, o filme é dirigido por Richard Donner e também conta, no elenco, com a presença de Julia Roberts. 

O Informante História real em que um produtor de televisão desvenda a conspiração que envolvia a mídia e o poder público na proteção das indústrias tabagistas. Segredos sobre como a indústria fazia para viciar pessoas são revelados. O filme, de 1999, é estrelado por Al Pacino e Russel Crowe.

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