
MUSEU
Espaços de pesquisa, educação e lazer, museus ainda buscam público cativo
Das cinzas do Museu Nacional emergiram profundos debates sobre o valor dos museus para o país e a comunidade
Não foi a primeira vez que Everaldo Luiz Rodrigues, 48, sentiu-se convidado a adentrar o Museu de Artes e Ofícios. Sempre hesitou. Mas, na última quarta-feira (5), ao lado do filho, Sávio Henrique, 13, decidiu que era mesmo hora de conhecer o lugar – e sentiu-se maravilhado diante do acervo ali conservado. “Se não tivessem essa perfuradora, nós não íamos ter as várias furadeiras que temos hoje. Além disso, ver isso me faz pensar, por exemplo, em novos modelos de brocas...”, diz ele, apontando para um equipamento rudimentar exposto entre outros instrumentos.
É notório que as observações de Rodrigues, mirando um instrumento de trabalho que conhece bem, ajudam a compreender como os museus – seus acervos históricos e de pesquisa científica – são fundamentais para conservar e ativar a memória histórica de seus visitantes, além de possibilitar uma perspectiva de futuro. Nestes lugares, pessoas como ele, que vêm, por exemplo, da interiorana Serra Azul de Minas, podem reencontrar raízes e se identificar com o coletivo. Como Rodrigues mesmo diz, assertivo, “se a humanidade ficar caduca, pode escrever: vai ficar perdida”.
A afetação do agente sanitário frente ao acervo visitado é um exemplo pontual, pequeno, mas funciona na compreensão do que representa a hiperbólica perda do Museu Nacional, incendiado no Rio de Janeiro no último domingo (2). De fato, é difícil dimensionar qual o tamanho do prejuízo que as labaredas causaram ao museu, que já foi residência da família real portuguesa e que se tornou bicentenário neste ano, e o que tais perdas representam para o país e para o mundo.
Certo é que sobre as cinzas do equipamento científico e cultural, um dos mais importantes do país, emergiu profundo debate sobre o valor dos museus para o país e a comunidade.
E a importância destes lugares está justamente na capacidade de reunir uma série de elementos da nossa história, “de como nós nos constituímos enquanto povo”, analisa Regina Helena Alves, historiadora e professora da UFMG. “É para lá que o pesquisador vai para entender porque somos assim, que vai entender o que podemos tentar construir, para onde podemos ir no futuro. Sem eles a gente perde a ligação até com a nossa identidade”, completa a acadêmica.
E para Rodrigues, diga-se, o valor é notado pela óbvia reverência à memória que nele é despertada. Vêm à mente lembranças da infância, de quando o material de trabalho do avô se tornava brinquedo em suas mãos. As lembranças do patriarca da família, um boiadeiro com um pouco de pedreiro e até marceneiro, são avivadas enquanto circula pelo lugar. Nostálgico, lamenta não ter entrado ali antes.
Tal sentimento é recorrente em visitantes de primeira viagem. “Ouvir o pessoal, ao sair, ir se questionando ou perguntando para seus amigos: ‘porque não vim antes?’ é algo muito comum”, expõe Gabriela Possas, mediadora do Museu de Artes e Ofícios.
O Pampulha conversou com mediadores, recepcionistas e coordenadores de vários museus de BH e constatou um padrões entre os frequentadores: majoritariamente, são estudantes em passeios guiados. O segundo maior público entre destes equipamentos são turistas, vindos de cidades do interior de Minas, de outros Estados ou mesmo de diferentes nacionalidades. Por fim, vêm os belo-horizontinos – e são estes os que saem com mais surpresa
Curiosamente, também se observou que são as crianças que, muitas vezes, estimulam a visitação em museus. Ocorre que, depois de ir ao local em expedições com escolas, elas voltam assumindo o papel de mediadoras com seus pais e avós.
Aprendizado
Mobilizando a maior parte das visitas registradas em outros equipamentos de BH, estudantes são a maior parte dos que passam também pelo Museu de Ciências Naturais da PUC Minas – que, através de exposições, educação e pesquisa, visa preservar o patrimônio natural, histórico e cultural do país. O lugar, por sinal, já chegou ao limite do número de visitas guiadas agendadas até o mês de novembro.
Na última quarta (5), eram os alunos da Escola Municipal Lidia Angélica a visitar o espaço. Maravilhadas, crianças como Geovana e Clarice, de 8 anos, examinaram tudo de perto (ou, o mais perto que fosse permitido). Gostaram especialmente dos animais empalhados e de, ali, ter tido consciência da dimensão de espécies de dinossauros.
“Era maior que eu imaginava”, comenta a animada Maria Paula, um ano mais velha que as colegas, acerca das ossadas vistas ali. E, logo, faz planos. Quer voltar e na próxima ida levar a prima, que tem 2 anos e “adora desenhos de animais”.
Mas sim, há também quem preze por usar o tempo livre para conhecer museus. E faz isso de forma espontânea, sempre que for possível. Assim tem sido o cotidiano da psicanalista Silvia Sales, 31, que está de passagem pela capital mineira, onde fica pelos próximos meses. Vinda de Patos de Minas, ela está na cidade há pouco tempo, onde começou uma especialização em psiquiatria forense, pela UFMG.
“Já fiz todo o circuito da praça da Liberdade, me apaixonei pelo Museu Mineiro e também conheci o da Pampulha”, situa, enquanto visita o Museu de Ciências Naturais da PUC Minas. O interesse, como se vê, é vasto: vai da história da constituição da cidade até a pesquisa paleontológica.
“Eu não tenho problema em visitar museus sozinha”, comenta Silvia, que aproveitou que deixaria seu carro em uma oficina, para assistência técnica, para conhecer o acervo da PUC Minas. O hábito, explica, é uma comunhão entre lazer e conhecimento. “Vir aqui é uma forma de passar o tempo, é divertido, ao mesmo tempo em que me permite aprender, compreender o mundo, o lugar em que estou e até como constituí a minha subjetividade”.
